[Livro] De Que Serve Ser Culto(2016)/ Normand Baillargeon




Introdução


Esse é o livro que eu precisava ler para melhorar minha caminhada em busca de conhecimento, pois pela cultura e a educação, nos tornamos melhores.


Lições



(...) não são tantos os saberes relativos a certos conteúdos culturais que caracterizam o detentor de cultura geral , e sim essa segunda natureza que faz com que ele saiba de imediato o que é e o que não é apropriado. Essa segunda natureza nos ensina a como nos comportamos em sociedade. Graças a ela, se pelo menos você adquirir cultura geral, logo saberá se é permitido ou não falar de futebol nesta ou naquela companhia, e o que convém dizer a respeito onde for possível mencioná-lo; também saberá, na ponta do cérebro, se assim posso dizer, o que pensar sobre os filmes de Woody Allen e os westerns spaghetti, quer você goste deles ou não, conheça ou não uns e outros, pouco importa. 
Ora, essas proibições e esses sinais verdes, esses terrenos minados e esses por onde, ao contrário, é bem visto e até recomendado passar, tudo isso é essencialmente balizado pela divisão da sociedade em classes, de modo que adquirir cultura geral é dotar-se das referências e da sensibilidade que permitem ou não, instantaneamente, se reconhecer nela e sentir-se como que em casa.


O caráter classista dos conteúdos culturais, a arbitrariedade de sua escolha, o papel que representam na reprodução das desigualdades sociais, tudo isso constitui uma primeira razão, válida até prova do contrário, para se demonstrar grande desconfiança por essa cultura geral.


(...) a cultura erudita, assim como nossa cultura no sentido amplo e como a cultura geral que ela promove, tenderam - e ainda tendem - a excluir as preocupações, os interesses e as realizações da metade feminina da humanidade. (...) E está claro que argumentação semelhante à que acabo de expor a respeito das mulheres poderia ser apresentada sobre homossexuais, as lésbicas, os transgênero e suas experiências e contribuições para o patrimônio comum.


(...) a cultura geral continua a ser literária e humanista, no sentido em que se entende a palavra desde o renascimento. Nisso, é culpada por outra série de graves omissões, que lhe tiraram qualquer pretensão de ser de fato geral, devido ao pouco espaço que dá às ciências empíricas e experimentais. (...) encarar hoje a cultura geral sem admitir como uma obviedade que ela comporta uma sólida cultura científica é algo que me parece propriamente irreal.


(...) um número considerável de pessoas não tem cultura geral, não só porque, como afirmei, o que se entende por essa expressão limita-se, no mais das vezes, a uma cultura literária e humanista à qual falta cultura científica para ser uma verdadeira cultura geral, como também porque os que possuem essa cultura científica só tem, por sua vez, pouca cultura literária e humanista.


Entre as ciências cujo conhecimento é indispensável para quem quer possuir cultura geral, há uma, em que gostaria de insistir, que deve ocupar um lugar à parte. Não é empírica nem experimental, como as que acabo de mencionar: trata-se da matemática, como se terá adivinhado.

Desconfio que muita gente falharia nesse pequeno teste: sofrem de uma mal a que chamo de inumerismo, o que é uma espécie equivalente para os números, e mais geralmente para a matemática, do bem conhecido e deplorável iletrismo. Porém, o inumerismo tem a peculiaridade de não parecer vergonhoso para todos e todas que dele padecem. Melhor: quase se gabariam do mal. 
Por pouco, a frase "Eu, de matemática, nunca entendi nada", seria dita com um toque de orgulho, e até mesmo proferida como um título de glória. Desnecessário dizer que se o lugar ocupado pelas ciências na concepção usual da cultura geral é bem diminuto, o que é atribuído à matemática é quase inexistente. Que pena! Como pretender ser culto quando se sofre de inumerismo? Ignorar o que são, digamos, um modo, uma média, um desvio padrão, equivale a não saber o que são um soneto, uma novela ou um editorial.


(...) a cultura geral deveria exercer em quem a possui um conjunto de efeitos observáveis examinando-se simplesmente como essa pessoa leva a própria vida, a qual deveria, se podemos dizer, estar impregnada dessa cultura. É que a cultura geral adquirida não é em si letra morta, coisa inerte: é viva, atuante e transformada em profundidade quem a possui e em quem ela vive. 
Para começar, a cultura geral deveria contribuir para a ampliação da perspectiva que ele ou ela tem do mundo e que lhe permite escapar do enclausuramento , geralmente tão pesado, do aqui e agora. Em suma, ao ampliar o círculo da experiência humana que nos tornamos capazes de captar, de compreender, e muitas vezes de amar, essa cultura geral é, como diz tão lindamente Renaud, tudo o que faz com Que você possa viajar do seu quarto/ Em torno da humanidade.


Ora, parece-me que isso decorre da suposta aquisição de certas virtudes (para retomar um termo antigo e fora de moda).
Entre essas virtudes, algumas me parecem capitais. Alargar as perspectivas, cognitivas e outras, que podemos ter sobre o mundo por meio da cultura, livrar-se dos acasos acidentais do aqui e agora que a as acompanham, tudo isso deveria, na verdade, alimentar o reconhecimento da fragilidade de nosso saber, de nossa insignificância individual face a extensão da experiência humana, das limitações e contingências de nossos julgamentos, sempre revogáveis, em suma, alimentar o que chamarei de certa "humildade epistêmica". 
Esta, em troca, nutre uma perpétua atitude crítica, que nada considera como sendo óbvio e examina sem cessar tudo o que se apresenta como verdadeiro ou estabelecido, e que por todo lado exerce essa  atitude crítica, até sobre si mesma. Essas virtudes - humildade, falibilidade, perspectiva crítica - estão, a meu ver, entre as mais importantes, são talvez as principais virtudes que a autêntica cultura geral deveria proporcionar.


Temos acesso ao mundo via uma espécie de janela através da qual um número limitado de itens pode ser tratado: na verdade, calcula-se justamente que são sete, mais ou menos dois, o número de itens que pode conter essa janela, a qual chamamos de nossa "memória de trabalho". Depois disso, ficamos intelectualmente submergidos.


Disso decorre que, para pensar de maneira crítica e criativa em determinada questão, deve-se possuir um saber pertinente nesse campo que permita agrupar dados e superar as limitações de nossa memória de trabalho. E quando discutimos com outra pessoa, esse saber é inevitavelmente posto em jogo: se não o possuímos, ficamos mais ou menos excluídos da conversa democrática da qual não entendemos uma vírgula. Essas conclusões reforçam a ideia da necessidade de uma bagagem cultural comum, devido a razões intrínsecas, mas também políticas.


Agora devemos abrir nossa visão da cultura geral a fim de que escape às críticas enunciadas contra ela (preconceito de classe, sexismo, racismo, elitismo, ocidentalocentrismo e etnocentrismo). A determinação dos conteúdos da nova cultura geral deverá, para isso, se alimentar dos diversos trabalhos, alguns bem recentes que abriram caminhos em variadas direções, permitindo neutralizar as tendências e exclusões evocadas no primeiro capítulo.

O cânone que daí emerge não é definido de uma vez por todas e traduz a dinâmica das transformações que caracterizam nossas sociedade. Aliás, o que pertence a esse cânone que daí emerge não é definido de uma vez por todas e traduz a dinâmica das transformações que caracterizam nossas sociedades. Aliás, o que pertence a esse cânone nele figura menos pelas respostas apresentadas do que pelas perguntas feitas e pela maneira, crítica, como as respostas são apresentadas.


(...) Hirst enumera as seguintes formas de saber: matemática, as ciências físicas, as ciências físicas, as ciências humanas, a história, a religião, as belas artes e a literatura, a filosofia, a moral. (Em textos posteriores, ele revisará um pouco essa lista, mas aqui não é lugar para nos determos nessas revisões.)

Tal educação científica, em meu espírito, ainda é diferentes da tecnológica - esta que nos prepara para usar as tecnologias em nossas vidas privadas e no trabalho. O que deveríamos visar é a compreensão dos princípios e dos métodos da ciências, e mais que seu vocabulário especializado (embora sem negligenciá-lo), os fatos e teorias científicas. Todos, ao saírem da escola, deveriam saber o que caracteriza a ciência como método, nada ignorar de seus princípios e ter feito ao menos um giro qualitativo pelos principais resultados das diferentes ciências.


Essa educação deveria se concentrar nas "grandes ciências" e, portanto, introduzir à física, à astronomia, à química, às ciências da terra e à biologia (inclusive ecologia científica). Deveria, enfim, apresentar a ciência como uma aventura intelectual, exaltante e exemplar, mas também como uma aventura humana, e para isso inscrever fortemente a ciência em seus contextos sociais e históricos (...).


A matemática ocupa um lugar à parte nas formas de saber e na cultura geral assim como a desejo.

Sem entrar nos pormenores do conteúdo desse aspecto da cultura geral, sublinharei que as estatísticas e as probabilidades ocupam um lugar central nessa formação, mas também, desnecessário dizer, a geometria e as noções de álgebra - embora não o cálculo. A aritmética, evidentemente, não está ausente do corpus.

O lugar da literatura (e das artes em geral, porém em graus variáveis para cada uma) na cultural geral é inconteste e não perderei tempo em defendê-lo, como infelizmente se deve fazer o tempo todo para as ciências e a matemática.

(...) a historicização dos conceitos, das teorias, das ideias, é um caminho a privilegiar a qualquer tempo. Na verdade, só ela proporciona a convicção de que aquilo que está em pauta é, sempre, um mundo humano, que se constrói, pouco a pouco com seus avanços e recuos, seus êxitos e fracassos.

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