[Livro] Como Proust pode mudar sua vida (1997)/ Alain de Botton - Parte 2

 

Como sofrer com sucesso

Embora possamos, obviamente, usar nossa mente sem estar em sofrimento, Proust sugere que nos tornamos apropriadamente inquisitivos apenas na aflição. Sofremos, portanto pensamos, e o fazemos porque o pensamento nos ajuda a contextualizar a dor, a entender sua origem, a medir suas dimensões e a nos reconciliar com sua presença. Assim sendo, ideias que surgiram sem dor carecem de uma importante fonte de motivação.

A arte de viver consiste em nos sabermos servir de quem nos atormenta (…).
A moral? Reconhecer que a melhor chance para nos sentirmos contentes reside na absorção da sabedoria que nos é oferecida em código por meio de tosses, alergias, gafes sociais e traições emocionais e evitar a ingratidão daqueles que culpam as ervilhas, as pessoas maçantes, o tempo e o clima.

Como expressar suas emoções

Ficamos do lado de fora das nossas impressões, como se estivéssemos olhando-as através de um vidro fosco, superficialmente relacionados a elas, mas afastados de tudo o que ultrapassa uma definição casual.
O problema dos clichês não é conter ideias falsas, mas ser articulações superficiais de ótimas ideias.
Os clichês são prejudiciais na medida em que nos inspiram a acreditar que descrevem adequadamente uma situação quando estão apenas arranhando sua superfície. E, se isso tem alguma importância, é porque nossa maneira de falar está, em última instância, ligada ao nosso modo de sentir, a maneira como descrevemos o mundo deve, em algum nível, refletir o modo como o vivemos.
todos nós temos o hábito de dar ao que sentimos uma expressão totalmente falsa, que tomamos, ao cabo de algum tempo, pela realidade mesma.
Nas palavras de Proust: O trabalho feito pelo amor-próprio, pela paixão, pelo espírito de imitação, pela inteligência abstrata, pelos hábitos, é o que há de desmanchar a arte, na marcha em sentido contrário, na volta que nos fará empreender aos abismos onde jaz ignorado de nós o que realmente existiu.


Como ser um bom amigo


Proust uma vez comparou a amizade à leitura porque ambas as atividades envolviam comunhão com os outros, mas acrescentou que a leitura tem uma vantagem fundamental: Na leitura, a amizade é repentinamente levada de volta à sua pureza original. Não há amabilidade falsa com livros. Se passamos a noite com esses amigos é porque realmente queremos.
Proust propôs que “aqueles que menosprezam a amizade podem (…) ser os melhores amigos do mundo”, talvez porque abordem esse vínculo com expectativas mais realistas. Eles evitam falar por muito tempo sobre si mesmos, não porque achem o assunto irrelevante, mas porque o consideram importante demais para ser deixado à mercê do instrumento casual, fugaz e, em última instância, superficial que é a conversa.
Isso significa que eles não têm ressentimento em fazer mais perguntas do que responder, pois veem a amizade como uma oportunidade de conhecer os outros, e não de fazer preleções.


4 comentários:

  1. Eu não tenho capacidade para comentar os outros tópicos, mas esse primeiro me faz pensar nas grandes obras criadas e realizadas a partir de um sofrimento vivenciado pelo autor. Vejo muito isso nas belíssimas letras escritas pelo Chico Buarque na época de maior repressão e cerceamento de liberdades que o país viveu nos idos das décadas de 1960 e 1970. É como se a sensação negativa provocada pela censura e pelo autoritarismo fosse adubo ou fertilizante para a criatividade mais luminosa, mais brilhante. Imagino que quando você está submetido a algum tipo de sofrimento, medo ou angústia sua mente muda ou privilegia algumas ligações sinápticas. Talvez tudo o que acabei de dizer seja apenas um monte de besteiras, mas fico pensando que quando você está muito feliz a última coisa que você quer é mergulhar dentro de si mesmo. Acho que é por aí.

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    1. Faz sentido
      Sofrimento pode fortalecer, mas doi pra caramba

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  2. Fala Scant! levei tanta pancada que me fez ser meio lelé kkkkk... saber lidar com suas emoções é fundamental para se ter um equilíbrio. Enfim, é tanta coisa que se passa na minha cabeça que nem consigo organizar... Um abraço!!!

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    1. "levei tanta pancada " - já que não leva mais, aproveita a vida
      "tanta coisa que se passa na minha cabeça que nem consigo organizar" - começa a escrever sobre soluções, uma de cada vez

      abs!

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Memento mori...carpe diem!