"Como é possível que o sofrimento que nem é meu e nem
me interessa me afete de imediato como se fosse meu e com força tal a ponto de
impelir-me à ação? “(Schopenhauer no ensaio deste intitulado Dos fundamentos da
moralidade)
A mitologia pode, num real sentido, ser definida como a
religião de outro povo. E a religião pode, num certo sentido, ser entendida
como uma incompreensão popular da mitologia.
- Minha definição favorita de mitologia: a religião das outras
pessoas. Minha definição favorita de religião: a incompreensão da mitologia. A
incompreensão consiste na interpretação dos símbolos mitológicos espirituais
como se fossem fundamentalmente referências a acontecimentos históricos.
Interpretações provincianas localizadas separam as várias comunidades
religiosas.
Um sistema de símbolos mitológicos somente atua se operar na
esfera de uma comunidade de pessoas que tenham experiências essencialmente
análogas, ou, para nos expressarmos de outra maneira, que partilhem do mesmo
domínio de experiência de vida.
- O ritual eficiente, nas mãos erradas, pode ser extremamente
perigoso. Isso é bem personificado em Hitler, que era um gênio no emprego do
ritual para desenvolver consciência nacional. Ele foi um orador poderoso e
carismático no centro de colossais comícios que, como um alemão uma vez me
disse, com sua música, sua iluminação e banderolas agitadas, quase o fez,
contra sua vontade, erguer sua mão na
Um espaço sagrado, portanto, é qualquer área, por exemplo,
cavernas, na qual tudo é feito para transformar o ambiente numa metáfora.
Talvez você possa dizer que o "Espaço Sagrado está em todo lugar",
mas somente pode fazê-lo depois de ter aprendido a disciplina do espaço sagrado
e haver apreciado a significação metafórica dos objetos ali encontrados.
- O principal interesse da catedral não é como parece do lado
exterior, mas como é experimentada no interior. Ela cria um espaço santo, um
espaço sagrado que a nada se refere salvo ao mistério. Quando sua construção
tem êxito, o resultado é um perfeito equilíbrio de impulso e sustentação, que é
ele próprio uma afirmação de energia e espaço.
A quarta função da mitologia tradicional é conduzir o
indivíduo através dos vários estágios e crises da vida, isto é, ajudar as
pessoas a compreender o desdobramento da vida com integridade. Essa integridade
supõe que os indivíduos experimentarão eventos significativos a partir do
nascimento, passando pelo meio da existência até a morte em harmonia,
primeiramente com eles mesmos, em segundo lugar com sua cultura, em terceiro
lugar com o universo e, finalmente, com aquele mysterium tremendum que
transcende a eles próprios e a todas as coisas.
- As linguagens metafóricas tanto da mitologia quanto da
metafísica não denotam mundos ou deuses reais, e sim conotam níveis e entidades
no interior da pessoa tocada por elas. As metáforas apenas aparentam descrever
o mundo exterior do tempo e do espaço. Seu universo real é o domínio espiritual
da vida interior. O Reino de Deus está no interior de você.
- A vida não possui nenhum significado absolutamente fixo.
Uma forma de privar você mesmo de uma experiência é, com
efeito, ter a expectativa dela. Uma outra é ter um nome para ela antes de ter a
experiência. Carl Jung afirmou que uma das funções da religião é nos proteger
da experiência religiosa. Assim é porque na religião formal tudo é concretizado
e formulado. Entretanto, devido à sua natureza, uma tal experiência é a
experiência que somente você pode ter.
Escrituras Shinto
lê-se que os processos naturais não podem ser maus. Na nossa tradição todo
impulso natural é pecaminoso a menos que tenha sido purificado de alguma
maneira.
Praticamente todas as mitologias do mundo usaram essa idéia "elementar" ou co-natural de um nascimento virginal para se referir a uma realidade espiritual em lugar de uma realidade histórica. O mesmo vale, como sugeri, para a metáfora da terra prometida, que em sua denotação nada assinala, exceto um pedaço de geografia terrena a ser tomado pela força. Sua conotação, ou seja, seu significado real, contudo, é a de uma região espiritual no coração que só pode ser adentrada por meio da contemplação.
Um princípio metodológico básico, a ser considerado ao
interpretar a mitologia em termos psicológicos, nos indica que aquilo que no
mito é chamado de "outro mundo" deve ser entendido psicologicamente
como mundo interior ("o Reino do céu está dentro de ti"), e que
aquilo que é referido como "futuro" é o agora.
Conta-se que Hallaj comparou o desejo do místico ao da
mariposa pela chama. A mariposa vê uma chama ardendo à noite numa lanterna e,
tomada de um desejo irresistível de estar unida àquela chama, põe-se a
revolutear em torno da lanterna, namorando a flama até o alvorecer, quando
retorna às suas companheiras para narrar-lhes nas mais doces palavras a sua
experiência. "Você não parece ter melhorado com isso", é o que
comentam, pois notam que suas asas estão amarrotadas e feridas: esta é a
condição do asceta. Mas a mariposa volta na noite seguinte e, encontrando um
vão no vidro da lanterna, se une completamente à sua amada, tornando-se ela
mesma a chama.
Tampouco é nossa sociedade o que foi a antiga. As leis da
vida social atualmente mudam a cada minuto. Não há mais segurança no conhecimento
de alguma lei moral que foi comunicada. É preciso buscar os próprios valores e
assumir responsabilidade pela nossa própria conduta, e não simplesmente seguir
ordens transmitidas de algum período do passado. Ademais, estamos intensamente
cientes de nós mesmos como indivíduos, cada um responsável pela sua própria
senda, diante de si mesmos e de seu mundo.
Neste nosso mundo moderno, no qual todas as coisas, todas as instituições parecem caminhar celeremente para o despedaçamento, não há significado no grupo, onde todo o significado foi uma vez encontrado. O grupo hoje não passa de uma matriz para a produção de indivíduos. Todo significado é encontrado no indivíduo, e em cada um esse significado é considerado como único. No entanto, pensemos a título de conclusão no seguinte: quando você viveu sua vida individual de seu próprio modo aventuroso e, então, lança um olhar retrospectivo em sua trajetória, descobrirá que afinal você viveu uma vida humana que é um modelo.
A causa secreta de sua morte é seu destino. Toda vida tem um limite e ao desafiar o limite você está trazendo o limite para mais próximo de você, e os heróis são os que desencadeiam suas ações, não importa que destino disso resulte. O que acontece, portanto, é uma variável dependente do que a pessoa faz. Isto é verdadeiro em relação à vida através de toda a existência. Aqui é revelada a causa secreta: o próprio curso de sua vida é a causa secreta de sua morte.
A morte, deste ponto de vista, é entendida como uma realização do sentido e propósito de nossa vida.
A terra prometida é qualquer ambiente que tenha sido metaforicamente espiritualizado. Um atraente exemplo dessa experiência universal é encontrado na mitologia dos navajos. Vivendo num deserto, os navajos atribuíram a cada detalhe desse deserto uma função e valor mitológicos, de forma que em qualquer lugar que as pessoas estivessem nesse ambiente, estariam meditando na energia e glória transcendentes que são o suporte do mundo. A terra prometida não é um lugar a ser conquistado por exércitos e sedimentado pela expulsão de outro povo. A terra prometida é um canto no coração ou é qualquer ambiente que haja sido mitologicamente espiritualizado.
Um dos grandes problemas da tradição cristã surge da interpretação da graça sobrenatural, a qual afirma, com efeito, que a salvação não procede de você, mas de fora de você por meio de algum tipo de experiência ritual. Mas a função do sacramento do batismo, por exemplo, não é derramar alguma coisa dentro de você, mas extrair alguma coisa de você. Os sacramentos são uma evocação, não uma doutrinação.
Adão e Eva são separados de Deus e se tornam cientes dessa ruptura no seu sentimento de unidade. Procuram cobrir sua nudez. E a questão se torna a seguinte: como voltarem ao Jardim? Para compreender este mistério, é preciso esquecer tudo a respeito de julgamento e ética e, inclusive, esquecer o bem e o mal. Jesus diz: "Não julgueis para não serdes julgados". Este é o modo de voltar ao Jardim. Você tem que viver em dois níveis: um a partir do reconhecimento da vida como ela é sem ser julgada, e o outro, de acordo com os valores éticos da própria cultura ou da própria religião pessoal e particular. Não são tarefas fáceis.
A imagem mitológica é aquela que evoca e direciona energia psicológica. É um signo de evocação e direcionamento de energia. Uma mitologia é um sistema de imagens do afetivo ou do emocional; essas próprias representações produzem a emoção ou o afeto. Nossa própria mitologia, a sua e a minha, constitui nossa herança particular de imagens ligadas ao afetivo. Observe, entretanto, o que foi feito com nossa mitologia. No plano racional, afirma-se que as imagens são absurdas e que, portanto, são destituídas de significado. Nosso sistema racional assim rompe as conexões delas e torna sua energia indisponível para nós em nossas vidas.
No casamento, por exemplo, quando alguém se sacrifica, o sacrifício não é realizado a favor do outro, mas a favor do relacionamento. No relacionamento ambos participam, de modo que você está se sacrificando a favor de um aspecto de você mesmo em relação a uma outra pessoa, e não há desenvolvimento psicológico fora do relacionamento. Isso é o que temos no centro. É a forma de uma cruz. Relacionar-se e ceder. Escuridão e luz associadas.
E você está tanto no relacionamento quanto o outro, percebe o que quero dizer? E isto com o que está lidando, os dois juntos. E você deve pensar em si mesmo não como esta uma pessoa, como estas duas pessoas como uma. Tudo que digo é que se seu casamento não é a maior prioridade de toda sua vida, você não está casado. E o que costumo dizer é que o casamento não é um longo caso amoroso.
O casamento, como eu disse, não é um caso amoroso. É um ordálio. Se você o conceber desta forma, será capaz de vivê-lo. O ordálio consiste especificamente em sacrificar o ego pelo relacionamento.
Como a pessoa comum alcança o transcendente? Para começar, eu diria, estudando poesia. Aprenda como ler um poema. Você não precisa ter a experiência da obtenção da mensagem, ou ao menos alguma indicação da mensagem. Esta pode surgir gradualmente. Há, entretanto, vários modos de chegar à experiência transcendente.
O cristianismo é a única religião que sustenta a idéia de uma condição permanente chamada Inferno. Um pecado mortal é considerado como uma ofensa que condena uma pessoa ao Inferno. Outros sistemas religiosos encaram a idéia do Inferno mais como o purgatório cristão, ou seja, um estágio de purgação ou purificação. Morre-se tão preso a um sistema limitado de valores, que talvez não se possa abrir-se para a transcendência da Visão Beatífica de Deus nessa condição.
Cristo responde ao último convite sedutor dizendo ao Demônio: "Não tenta o Senhor, teu Deus". Em outras palavras, permaneça sobre o chão e não pense que você é puramente espiritual, não esqueça que é espiritual e material.
De qualquer modo, os milagres na lenda de Cristo são padrões, do que não se conclui que não aconteceram, porque é certo que, como tem sido provado continuamente, curas miraculosas podem ser realizadas através de pessoas de grande compreensão espiritual. Muito do que perturba as pessoas é, de alguma forma, puramente psicológico e, assim, elas reagem a intervenções espirituais. Muitas curas de enfermidades psicológicas podem ocorrer pela influência de pessoas espiritualmente iluminadas. É possível, portanto, que milagres sejam funções de espiritualidade profunda.
Seria possível, todavia, contemplar a cena da última ceia de um modo bastante distinto daquele no qual é geralmente contemplada. Quando Cristo toma o pão, o mergulha na tigela e diz: "Aquele a quem entrego este bocado me trairá", trata-se de uma profecia ou de uma designação? Penso que se trata de uma designação. Sugere, inclusive, que o elegível para aquela designação era o mais desenvolvido do grupo, isto é, aquele que realmente compreendia o sentido do que estava acontecendo. Judas é o parteiro da salvação, o coadjuvante de Cristo. É ele que O entrega à Sua morte, e ele próprio morre nas sombras.
Tudo era visto com olhos fixados na Terra. O sol nascia e se punha. Josué fez parar tanto o sol quanto a lua para ter tempo de terminar um massacre. Após a caminhada na lua, não foi possível mais sustentar o mito religioso que alimentava tais idéias. Graças à nossa visão da ressurreição da Terra, pudemos ver que a Terra e os céus não eram mais divididos, mas que a Terra está nos céus. Não há divisão e todas as noções teológicas baseadas na distinção entre os céus e a Terra ruíram com essa compreensão. Há uma unidade no universo e uma unidade em nossa própria experiência. Não podemos mais buscar uma ordem espiritual fora de nossa própria experiência.
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