[Livro] A Origem das Espécies de Darwin (2007): Uma Biografia





Para muita gente da época, a imagem de Deus não era a de um monarca absoluto, que fazia milagres e soltava raios, mas a de um guardião cuidadoso que via todas as coisas e as arranjava para que funcionassem com eficiência. De fato, a teologia natural era comumente encarada pelo establishment cultural britânico como um dos mais fortes baluartes contra a agitação social, pois reforçava idéias de uma hierarquia estável, poderoso antídoto contra insurreições civis e revoltas. A doutrina teológica, sob esse aspecto, estava plenamente integrada ao ethos político e social dos homens mais influentes nos primeiros anos daquele século – “a rede de Cambridge”, como foi denominada.


Os cinco anos de viagem no Beagle fizeram de Darwin a pessoa que foi. Alguns deles foram passados galopando por toda parte em cavalos alugados, acampando em novos lugares a cada noite, caçando carne para a ceia com companheiros do navio, discutindo as novidades chegadas da pátria e divertindo-se; eram uma extensão dos dias despreocupados do estudante de Cambridge. Parece muito provável que Darwin tenha sido escolhido para a viagem em parte por sua capacidade de se integrar às atividades do navio, que combinavam agradavelmente com sua formação culta e com a habilidade que tinha para atirar e caçar. Não lhe faltaram oportunidades de exibir esses atributos.


Em outra ocasião, Darwin teve um vislumbre das atitudes dos escravos: um dia, ainda no Brasil, quando era transportado através de um rio por um barqueiro negro, acenou os braços para apontar as direções e ficou horrorizado ao ver o homem se agachar de medo porque pensou que levaria uma pancada.


E embora tenha passado pouco a pouco a desacreditar na Bíblia como registro fidedigno de acontecimentos reais, não se dispunha a abandonar por completo sua fé, em parte pela imensa admiração ante as maravilhas da natureza. Quando estava em meio à grandiosa floresta brasileira, declarou: “Não é possível dar uma idéia adequada dos sentimentos mais elevados de assombro, admiração e devoção que enchem a mente”.


O momento foi registrado no caderno D, em um apontamento datado de 28 de setembro de 1838. Nascem indivíduos demais, escreveu ele parafraseando Malthus. Há uma guerra na natureza, um combate pela existência. Na luta para viver, os organismos piores ou mais fracos tendem a morrer primeiro, e as formas melhores, mais saudáveis ou mais bem adaptadas permanecem. Esses sobreviventes seriam aqueles que geralmente procriam. Se ações como essas se repetissem um sem-número de vezes, os organismos tenderiam a se tornar cada vez mais bem adaptados às suas condições de existência. Darwin chamou esse processo de “seleção natural”, com o intuito de se referir a um processo no mundo natural análogo à seleção “artificial” que vira fazendeiros e horticultores aplicarem a animais e plantas domésticas.


Em suma, ele encontrou uma maneira de explicar as adaptações perfeitamente planejadas de Paley sem referência a um Criador. “Já bem preparado para apreciar a luta pela existência, … ocorreu-me de imediato que, nessas circunstâncias, adaptações favoráveis tenderiam a ser preservadas, e as desfavoráveis, destruídas. Aqui, portanto, eu havia finalmente conseguido uma teoria com que trabalhar”.


Tudo indica que, no momento em que escrevia sobre a seleção natural em seus cadernos – no mesmo ano em que se casara com Emma –, Darwin havia abandonado a maioria das estruturas religiosas formais, embora ainda acreditasse em uma força sobrenatural acima do conhecimento humano. Entretanto, não era ateu. De fato, ao que parece, nunca o foi, nem mesmo no auge da controvérsia que se seguiu à publicação da Origem das espécies. Em sua Autobiografia, declarou ter pensado muito sobre religião naqueles anos, e que a palavra “teísta” era provavelmente a que mais se aproximava de como ele se sentia. Mais tarde intitulou-se agnóstico, termo cunhado por seu amigo Thomas Henry Huxley.


o tema subjacente de Darwin era o gradualismo. Tudo acontecia aos poucos, exatamente como Lyell afirmava. Tudo estava ligado por uma única explicação. Tempo, acaso e reprodução governavam o planeta. A luta também. Os que buscavam um manifesto radicalmente novo para o mundo vivo com certeza o encontraram nas palavras de Darwin: dali em diante, ninguém poderia encarar os seres orgânicos e seu ambiente natural com os mesmos olhos de antes; tampouco poderia alguém deixar de notar o modo como a biologia de Darwin espelhava a nação britânica em todo seu espírito competitivo, empresarial, fabril; ou que seu apelo à lei natural contribuiu de modo inequívoco para o impulso geral rumo à secularização, reforçando as pretensões contemporâneas da ciência para compreender o mundo em seus próprios termos.


A estrutura do livro foi concebida com cuidado. A seleção natural não é evidente na natureza nem é o tipo de teoria em que se possa dizer “olhe aqui e veja”. Darwin não tinha experimento crucial algum que evidenciasse, de forma conclusiva, a evolução em andamento. Não havia equações matemáticas para fundamentar as alegações. A comprovação definitiva só viria um século depois. Todos os tópicos da Origem das espécies exigiam a imaginação do leitor. Como Lyell em seus Principles of Geology, Darwin precisava se basear em analogias entre o que era conhecido e o que não era. Dependia de probabilidades. Usava palavras de convencimento, convidava à reconsideração. Um caso após o outro era declarado “inteiramente inexplicável com base na teoria de atos de criação independentes”.


O maior problema nesse caso, e futuros críticos insistiriam nele, era que Darwin não tinha nenhum conhecimento da forma como as variações surgiam. Ele escreveu A origem das espécies muito antes de a moderna ciência da genética se desenvolver. O que podia fazer era demonstrar que as variações ocorriam incontestavelmente em organismos domésticos.


Darwin declarou que havia uma importante analogia entre o que acontecia no terreiro de uma fazenda, em um jardim ou no mundo natural. Assim como a humanidade podia moldar e ajustar espécies domesticadas para satisfazer necessidades ou gostos passageiros, também a natureza pode escolher os mais bem adaptados. Aqueles “selecionados” para sobreviver seriam os pais da geração seguinte.


Darwin reconheceu outro problema que essa linguagem antropomórfica iria gerar. Ele muitas vezes personificou a seleção natural na Origem das espécies. Embora isso talvez fosse inevitável no sentido geral, freqüentemente passou a impressão de que a seleção natural era um agente ativo.

 O mesmo embaraço ocorreu com o uso que fez da palavra “adaptação”, que sugeria alguma forma de estratégia proposital dos animais e das plantas, exatamente o contrário do que tinha em mente. Mais tarde, utilizou uma artimanha como solução parcial. Darwin lutou de maneira incessante com seu vocabulário. A linguagem que tinha a seu dispor era a de Milton e Shakespeare, calcada na teologia e em propósitos, não a terminologia objetiva e livre de valores procurada pela ciência.
 

Darwin não era sequer capaz de falar da “evolução” como tal, pois naquela época o termo era usado sobretudo para descrever o desdobramento de estruturas embriológicas ocultas; foi o debate em torno de sua obra que conferiu à palavra seu sentido moderno. Na Origem das espécies, referiu-se em geral à “descendência com modificações”. Da mesma forma, não usou de início aquela que acabaria por se tornar a expressão mais famosa de todas a respeito do tema: a “sobrevivência dos mais aptos”. Ela foi cunhada alguns anos mais tarde, em 1864, por Herbert Spencer, depois de Wallace sugerir que Darwin deveria substituir o termo “seleção natural”. Todas essas ambigüidades verbais conduziriam os leitores para direções que Darwin não tencionava.
 

A falta de formas intermediárias nos registros fósseis, por exemplo, era realmente um problema espinhoso, só explicável pelo que os filósofos chamam de argumentação negativa. Ele afirmou que tais organismos seriam tão raros e transitórios, e sua preservação geológica tão infrequente e acidental, que seria extremamente improvável encontrar espécimes. A ausência deles, declarou, não podia, de maneira legítima, derrubar sua teoria. De fato, estava correto em sua conjectura. Apesar da descoberta de fósseis como o Archaeopteryx, réptil semelhante a uma ave, nos calcários de Solnhofen, na Alemanha, hoje reconhecido como um intermediário legítimo, a incidência de elos perdidos continua muito limitada.
  

Deliberadamente, omitiu as duas questões que intrigariam a todos. Evitou qualquer discussão sobre o que a teoria evolucionária teria a dizer sobre as origens humanas e se esquivou de qualquer debate acerca da presença divina no mundo natural.
 

No fim do livro, porém, mencionou a probabilidade de que todos os organismos ancestrais tivessem se originado a partir de uma só forma primordial. Darwin acreditava que essas origens antigas estavam perdidas no tempo e eram irrecuperáveis. Quando foi preciso, falou com cautela do Criador, ciente que, de outro modo, o livro poderia ser rotulado de subversivo. Mas teve o cuidado de não deixar para esse Criador nenhum papel ativo nos eventos biológicos subseqüentes.
 

Por mais surpreendente que pareça, houve pouca oposição permanente ao livro de Darwin sob a alegação de que ele contestava diretamente o relato da criação feito no Gênesis. Desde o Iluminismo, os estudos bíblicos estimulavam os cristãos a ver essas antigas histórias como poderosas metáforas, não como narrativas literais. O fundamentalismo bíblico é um problema moderno, não vitoriano. O verdadeiro empecilho do darwinismo para os vitorianos era transformar a vida em um caos amoral que não exibisse nenhum indício de uma autoridade divina ou algum sentido de finalidade ou desígnio.
 

Um dos aspectos mais conhecidos da polêmica originada por A origem das espécies é que Darwin se manteve fora da ribalta. Aparentemente, isso é verdade. Darwin nunca apreciou o debate público, detestava confrontações em que sua honra ou honestidade pudessem ser postas em questão; preferia ficar tranqüilo em casa, em segundo plano, satisfeito em deixar que os outros agitassem a bandeira com mais vigor do que ele próprio. Pessoalmente, acreditava que essas divergências entre cientistas não eram em geral profícuas.
 

(...) como é notório, Karl Marx ficou intrigado com a tese de Darwin e disse em várias ocasiões que via nela, em operação, o sistema capitalista de competição e o laissez-faire. Em certa época, pensou-se que Marx desejara dedicar O Capital a Darwin, mas essa idéia se baseava em um mal-entendido. Marx sem dúvida mencionou A origem das espécies em seu texto e enviou a Darwin, em sinal de respeito, um exemplar de cortesia da terceira edição. O livro continua na coleção de Darwin, com uma dedicatória de Marx. A confusão emergiu da identificação equivocada de uma carta enviada a Darwin. Ela fora escrita na realidade por Edward Aveling, filósofo político e genro de Marx, que adotou com entusiasmo as intuições seculares de Darwin. Aveling perguntava se Darwin aceitaria que ele lhe dedicasse um de seus livros. Por não desejar se ver publicamente associado ao ateísmo de Aveling, Darwin rejeitou o pedido.
 

Um aspecto em que a teoria de Darwin obviamente se impôs à sociedade foi na sugestão de que havia uma luta pela existência entre nações e raças. Depois da publicação da Origem das espécies, a notória doutrina do “darwinismo social” tomou a idéia de sucesso para justificar políticas sociais e econômicas em que a luta era a força motriz. Intimamente vinculado a economias nacionais, inserido em poderosas distinções de classe, raça e gênero, e sendo adaptado a uma variedade de compromissos políticos, não houve uma forma única de darwinismo social. De fato, alguns estudiosos argumentam que ele praticamente não derivou do esquema de seleção natural de Darwin e Wallace, e estava muito mais vinculado ao onipresente evolucionismo social de Herbert Spencer. A panacéia da “sobrevivência do mais apto” de Spencer era muito apropriada para descrever a expansão econômica, a rápida adaptação às circunstâncias e a colonização.
 
De qualquer maneira, a estratégia econômica dominante das nações desenvolvidas durante a segunda metade do século XIX ganhou forma no período subseqüente à publicação da Origem das espécies. Era comum que usassem o livro para legitimar a competição que florescia no regime de livre iniciativa do capitalismo vitoriano. Darwin estava plenamente ciente dessas atividades e talvez até as aprovasse. Logo observou que um crítico em Manchester (uma das maiores cidades manufatureiras da Grã-Bretanha) declarou que A origem das espécies promovia a noção de que “o poder faz o direito”. As idéias de Darwin foram bem recebidas por muitos magnatas e industriais.
 

O entusiasmo pela livre empresa logo se fundiu rapidamente com ideologias florescentes de imperialismo e eugenia. A “sobrevivência dos mais aptos” sustentava noções de diferenças “raciais” inerentes e parecia justificar lutas cruéis e constantes por territórios e poder político no cenário internacional. O sucesso dos europeus brancos ao conquistar a Tasmânia e lá se estabelecerem, por exemplo, pareceu “tornar natural” o extermínio indiscriminado dos aborígines tasmanianos. A conquista era considerada parte necessária do progresso. Uma opinião bastante típica foi expressa por Karl Pearson (1857-1936), engajado biólogo darwinista e estatístico londrino. Ninguém deveria lamentar, disse ele em 1900, que “uma raça capaz e vigorosa de homens brancos substituísse uma tribo de pele escura que não conseguia utilizar sua terra para o pleno benefício da humanidade, nem contribuir com sua cota para o cabedal comum do conhecimento humano”.
 

Embora A origem das espécies dificilmente possa explicar toda a estereotipia racial, o fervor nacionalista e o preconceito que seriam vistos nos anos subseqüentes à publicação, não se pode negar a influência do livro ao fornecer um endosso biológico às guerras e às noções de superioridade racial.
 

Vinte e três anos após publicar o livro que o tornou famoso, Darwin faleceu em casa, aos 73 anos. Foi enterrado na abadia de Westminster, em Londres, o lugar mais usual para funerais com honras de Estado, casamentos da realeza e celebrações nacionais.
 

Seu legado científico, porém, não foi nem de longe tão certo. À medida que outras áreas de pesquisa se abriram nas ciências biológicas, e novos gêneros de profissionais passaram a considerar um âmbito mais amplo de problemas com técnicas mais sofisticadas, a tese original da seleção natural foi modificada a ponto de se tornar quase irreconhecível. Houve discussão acerca dos conceitos centrais de competição, sucesso e “aptidão”, em particular sobre a maneira como se entrelaçavam com ideologias políticas da época. Entraram em jogo sistemas evolucionários alternativos, baseados em respostas diretas ao ambiente. De fato, diz-se muitas vezes que, perto do fim do século XIX, o darwinismo foi eclipsado por outros sistemas de pensamento evolucionário, sendo restaurado apenas quando uma “nova síntese” foi proposta, na década de 1940.
 
À medida que o otimismo no progresso constante decrescia, tais preocupações eram vividamente expressas em romances do final do século XIX. A máquina do tempo (1895) de H.G. Wells narrava a experiência de um viajante levado para um futuro em que os seres humanos haviam se deteriorado em duas espécies, os brutais morlocks que viviam no subterrâneo e os débeis elóis da superfície, uma parábola das divisões sociais que Wells distinguia em seu próprio tempo. The Coming Race (1871), de Bulwer Lyton, Erewhon, escrito por Samuel Butler e publicado em 1872, e O mundo perdido (1912), de Conan Doyle, trataram em geral dos mesmos temas, enquanto Émile Zola e Thomas Hardy tiraram grande proveito da idéia de degeneração hereditária e da pressão inflexível das forças biológicas sobre o gênero humano.
 

Se no tempo de Darwin a eugenia se expressava sobretudo em temores quanto à manutenção da aptidão biológica, no início do século XX ela se expandiu pela Europa e América na forma de movimentos que pretendiam mudar as políticas de governo com medidas de saúde pública para as massas, controle da natalidade e restrições compulsórias à procriação. Fundamentalmente, o velho sistema de controle malthusiano que Darwin empregara na biologia era reaplicado às economias políticas com apoio biológico convincente. Os pobres, loucos, fracos e doentes passavam a ser encarados como fardos biológicos para a sociedade. Para o bem da nação, dizia-se, era preciso introduzir políticas para evitar que se reproduzissem. Muitas dessas iniciativas assumiram forma institucional. O National Eugenics Laboratory foi fundado na University College London, com uma doação testamentária de Galton, para investigar a deterioração de linhagens familiares, aferida sobretudo pela incidência de distúrbios mentais hereditários. Sua direção coube a Karl Pearson, eugenista e biólogo darwiniano com acentuada tendência socialista. Psiquiatras identificavam “tipos” degenerados entre seus pacientes usando o então novo meio da fotografia, e criminologistas como o escritor italiano Cesare Lombroso propuseram que os desviantes sociais apresentavam estigmas físicos visíveis. Estes eram por vezes explicitamente associados a feições físicas simiescas. Lombroso popularizou também a palavra “atavismo”, que significava uma reversão a um tipo ancestral de símio.
 

A ciência da raça reflete os mais extremos preconceitos da época e também fez uso do darwinismo. É preciso dizer, no entanto, que racismo e genocídio antecederam Darwin. E tampouco estiveram limitados ao Ocidente. Apesar disso, idéias evolucionárias, e depois a nova ciência da genética, deram considerável respaldo biológico àqueles que desejavam dividir a sociedade segundo diferenças étnicas ou promover a supremacia branca.
 

Franz Boas, que foi um dos fundadores da antropologia e defendeu a natureza única e igual de todas as culturas, sofreu as pressões de um poderoso lobby racial da biologia norte-americana na década de 1920, que endossava a existência de estágios que toda sociedade deveria atravessar em seu desenvolvimento. Do outro lado do Atlântico, mais ou menos na mesma época, os nazistas afirmavam que os arianos eram uma forma distinta e superior da raça humana destinada a dominar os “subumanos”. O horror subseqüente à campanha nazista para a eliminação dos judeus pôs em questão a ideologia da ciência racial, embora muito dela ainda exista.
 

A influência da Origem das espécies se reduzia também em outros lugares. Alguns geneticistas defendiam as idéias de herança no meio ambiente. No século XX, os governos comunistas soviéticos foram em geral hostis às implicações capitalistas da teoria darwinista e endossaram uma nova forma de ambientalismo introduzida na política estatal por Trofim Lysenko na década de 1930. O feito de Lysenko foi demonstrar a adaptação do trigo às condições climáticas dominantes (a “vernalização”, em que as sementes eram expostas ao frio, de modo a germinarem mais cedo no ano seguinte). Lysenko afirmava que essa propriedade podia ser herdada, e assim seria possível produzir novas linhagens de trigo adaptadas à curta estação de crescimento na Rússia. Stálin adotou as descobertas de Lysenko, proibiu pesquisas genéticas alternativas e instigou um expurgo de importantes geneticistas, como Sergei Chetverikov e Nikolai Vavilov. Alguns fugiram para o Ocidente, como N.W. Timoffeef-Ressovsky e Theodore Dobzhansky, que deram grande contribuição ao desenvolvimento da genética. Outros simplesmente desapareceram. Sob o regime comunista, notícias de espantosos (e impossíveis) sucessos agrícolas foram difundidas até os anos intermediários do governo de Kruschev, quando Lysenko foi abertamente criticado pelo físico Andrei Sakharov. Só a partir de meados da década de 1960 a ciência soviética passou a se abrir gradualmente para as idéias darwinistas de evolução e para a nova genética.
 

Na perspectiva atual, é quase impossível conceber um mundo de pesquisa biológica sem os conceitos de adaptação e seleção natural, ferramentas intelectuais que serviram de base para grande parte da biomedicina moderna, das ciências ambientais, das teorias do comportamento humano e da psicologia.
 

O mais inesperado de todos os desenvolvimentos recentes é a ressurgência da literatura criacionista e a proliferação de toda uma nova série de teologias antidarwinistas no Ocidente. É possível que esta seja mais uma expressão, entre muitas, de uma reação cultural diante do afrouxamento dos códigos morais desde as décadas de 1960 e 1970. Os novos criacionistas talvez culpem a ascensão de idéias seculares pela decadência moderna e a perda de valores familiares tradicionais. Atacar a teoria evolucionária seria, portanto, uma forma de agredir tanto um símbolo como a pretensa causa da podridão da sociedade. Visto de fora, o tom desse movimento é condenatório e conservador.
 

O novo milênio começou, portanto, com as mentes ocidentais divididas, como sempre, em relação às implicações de uma origem natural das espécies. Apesar das contestações, a síntese moderna permanece firme no coração das ciências biológicas. Nenhum biólogo ousaria ignorar as evidências. Como disse Theodore Dobzhansky em 1960, “nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução”. A história raramente fala de avanços triunfantes simples, mas pode falar do impacto extraordinário de um único livro. Ainda que muitas das idéias e dos temas tratados por Darwin em 1859 não fossem novos, e seu estilo se mostrasse extremamente conciliatório, A origem das espécies foi com certeza uma publicação capital, que alterou de maneira espetacular a natureza da discussão sobre nossas origens. A influência recíproca entre um homem, um livro e as diversas circunstâncias sociais, religiosas, intelectuais e nacionais de suas audiências e as correntes mais amplas de mudança histórica fez da Origem das espécies de Darwin um fenômeno extraordinário em seu tempo – e permite que a obra continue a interessar e instruir seus leitores ainda hoje. Os textos antigos muitas vezes são recriados por novas formas de olhar, e parece que A origem das espécies de Darwin mostrou-se flexível na sobrevivência de suas principais propostas e maleável nas mãos de seus devotos. Pode ser visto, portanto, não como uma voz solitária a contestar deliberadamente as tradições da Igreja ou os valores morais da sociedade, mas como um dos eixos de transformação do pensamento ocidental.

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8 comentários:

  1. E ai, tudo bem? De tempos em tempos eu também escrevo sobre alguns livros lá no blog, principalmente sobre investimentos, finanças pessoais, política e economia. Se você se interessar, dá uma passadinha lá.

    Abraços!

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    1. já conferi o blog e já adicionei, mas pelo que o blogger informou o feed não vai ser atualizado

      abs!

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  2. Darwin é sem dúvidas alguém que merece um lugar entre os Grandes da Humanidade. Eu gosto da história dele de circum-navegação com o HMS Beagle, em especial o que eu mais gosto é do relato dele sobre o cotidiano dos países e regiões visitadas. Ele lida bem com o Brasil de inicio, mas depois parece odiar nosso país, desde aqueles tempos já reconhecendo as mazelas que fazem parte do povo brasileiro.

    É um relato preciso da época do Império, mais precisamente dos anos da Regência e desmistifica um pouco a forma tão positiva que o Império vem sendo tratado recentemente.

    Abraços,
    Pi

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    1. existem um costume de achar que o passado era sempre melhor que o presente.
      a maioria das pessoas não gosta de pensar, lamentavelmente

      abs!

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  3. Olá, Scant.

    Nunca vi como antagônicos o darwnismo com a crença em um ou vários Deuses (criacionismos). Acho que isso foi mais caraminhola criada pela mesma turma que viu "séculos de escuridão" na Idade Média, sem um alento de positividade, e que o mundo só nasceu a partir do século XVII, sendo que, antes, não haveria nada ocorrendo. É como o acadêmico espertinho que aponta Newton como um refutador de Deus (pqp!), sendo que o próprio se dedicava mais ao esoterismo do que a própria física. Os "outros" criam muita problematização...

    Lendo sobre as viagens a cavalo de Darwin, o cara teve um vidão!

    Abraços!

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    1. essas polêmicas vendiam jornais e hoje rendem milhões de dólares em cliques na internet
      parece que o ponto alto da vida de Darwin forma as viagens
      "É como o acadêmico espertinho que aponta Newton como um refutador de Deus " - paradoxal, mas tá valendo tudo nos dias de hoje pra se conseguir popularidade

      abs!

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  4. Que livro bom de ler deve ser esse!

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    1. aqui tem para download: https://book4you.org/s/Janet%20Browne/?language=portuguese
      é uma leitura bem fácil e gostosa - a autora explica bem as coisas

      abs!

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Memento mori...carpe diem!