[Livro] Aprendendo a Viver (65 d.C.)/Sêneca - Parte 2

 



Guarda contigo essas palavras: nunca um sábio age mais do que quando se encontra compenetrado acerca das coisas divinas e humanas.

Muitos passam pelas coisas abertas e buscam aquelas escondidas e obscuras; as coisas seladas estimulam o furto. Se algo se mostra a qualquer um, parece de pouco valor; o arrombador despreza o que está aberto. Esse costume tem o povo e, do mesmo modo, todos os ignorantes: desejam penetrar nas coisas secretas.


Crítica a ti mesmo, pois assim te acostumarás a dizer a verdade e a ouvi-la. Trata com maior rigor aquilo que tu sentes como mais débil no teu caráter.

Como sabes, a vida nem sempre deve ser retida, pois o bom não é viver, mas sim viver bem. Por isso, o sábio viverá o quanto for necessário e não o quanto puder.


Verá aonde deve ir, com quem, de que modo e o que deve fazer. Ele pensa na qualidade da vida e não na sua duração. Se muitas adversidades ocorrem e perturbam a sua serenidade, ele se afasta. E não faz isso em caso de extrema necessidade, mas sim quando começa a duvidar da sorte; ele diligentemente examina se não deve deixar de viver. 

Não considero importante se buscar ou aceitar o seu fim, se virá mais cedo ou mais tarde. Não teme uma grande perda; ninguém pode perder grande coisa naquilo que se escorre gota a gota. Morrer mais cedo ou mais tarde não importa, importa é morrer bem ou mal. Morrer bem é fugir do perigo de viver mal.

· Eu esperarei a crueldade da doença ou do homem quando posso sair através das tormentas e despistar as adversidades? Este é único ponto sobre o qual não podemos nos queixar da vida: ela não prende ninguém. 

As condições humanas estão assentadas em bases sólidas, pois ninguém é infeliz a não ser por sua culpa. Te agrada? Vive. Não te agrada? És livre para regressar de onde vieste.


· Queres ser livres em relação ao próprio corpo? Habita-o, pois, como se fosses migrante. Propõe-te que, cedo ou tarde, esta companhia virá a faltar: mais forte te sentirás quando tiveres que deixa-lo. Mas de que modo pensarão no seu fim aqueles cujos desejos por todas as coisas não tem fim?


· Deve-se preferir a mais imunda morte à mais limpa servidão.

· Não existem obstáculos para quem deseja deixar a vida. A natureza nos mantém em cárcere aberto. Quando as necessidades permitem, busque-se uma saída fácil; quando se tem em mãos muitas saídas possíveis, deve-se fazer a escolha e considerar o melhor modo de se libertar; quando a ocasião é difícil, deve-se considerar a melhor, a que estiver mais próxima, seja inaudita ou insólita. A quem não falta coragem para a morte não faltará também imaginação.


· Seria uma viagem incompleta se parássemos na metade ou antes do lugar estabelecido? A vida não é incompleta se é honesta. Onde quer que pares, se parares bem, estará completa. Muitas vezes, pois, há que acaba-la por motivos fortes; na verdade, não são mais importantes as causas que nos mantêm vivos.

· Não existe caminho sem fim.


· Tal como uma fábula, assim é a vida: não interessa pelo que dura, mas por quão bem foi vivida. Não importa onde irás parar. Onde quiseres, para; apenas lhe impõe um bom desfecho.


· Devemos evitar apenas escrever e apenas ler, pois se só escrevemos esgotaremos nossas forças (falo do trabalho de escritura), enquanto somente escrever fará com que se diluam. É necessário passar de um exercício para outro com justa medida, a fim de que a escritura organize tudo que foi recolhido na leitura.


· Também devemos imitar as abelhas, e tudo e tudo que acumularmos com nossas diferentes leituras devemos ordenar(melhor se conservam as coisas, se estão em lugares certos) e, após, com todo o nosso esforço e a nossa inteligência, unir em um só saber todos os diversos conhecimentos, de forma a que se consiga perceber a sua origem e possa demonstrar, igualmente, a sua transformação. Podemos percebe que a natureza faz o mesmo com o nosso sem que o percebamos.


· “deixe de lados essas coisas atrás das quais os homens correm. Deixa as riquezas, perigo e fardo para aqueles que as possuem. Renuncia aos prazeres do corpo e da alma; eles amolecem e debilitam. renuncia à ambição, coisa vã e pomposa, que não tem limite e nem freio, procurando sempre ultrapassar os que caminham à frente ou ao lado, atormentada pela dupla inveja. Sabes bem como é ruim invejar e ser invejado.”


· O que é mais correto, pergunto, obedecer à natureza ou ser obedecido por ela? O que importa sair antes ou depois de um lugar de onde deveremos todos sair um dia? O que importa não é viver muito, mas viver com qualidade. Com efeito, viver muito tempo quem decide é o destino. Viver plenamente, o teu espírito. A vida é longa se for vivida com plenitude. Assim, ela está plena quando a alma tomou posse do bem que lhe é próprio e não depende senão de seu poder.


· Queres saber qual é a vida mais longa? Aquela que tem seu fim na sabedoria. Chegar a esse ponto é atingir o fim mais longínquo e também mais elevado. Assim, o homem pode celebrar audaciosamente, prestar homenagem aos deuses e, dentre os deuses, a ele próprio, fazendo com que a natureza agradeça-lhe pelo que é, pois devolver a ela uma vida melhor que a recebida. Estabeleceu o tipo ideal do homem de bem, demonstrou sua qualidade e magnitude. Se algo mais fosse acrescentado a seus dias, apenas conseguiria levar adiante o se passado.


· Tu ficas indignado e te queixas! Não compreendes que todo mal provém não do que te acontece, mas sim de tua indignação e de tuas reclamações? Do meu ponto de vista, não existe miséria para um homem a não ser a de achar que algo que faz parte da natureza das coisas não está correto.


_________________________ continua...

12 comentários:

  1. Muito bom, adoro ler os escritos de Sêneca. Já li os três volumes das Cartas, e quase diariamente procuro ler pelo menos uma carta.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. que bom cara
      se puder um dia, leia esse livro (https://www.amazon.com.br/S%C3%AAneca-Estoicismo-Paul-Veyne/dp/8568493203)
      abs!

      Excluir
    2. Justamente por recomendação sua em outro post, comprei e li o livro. Comprei usado na Estante Virtual. Muito bom mesmo. Fiz uma primeira leitura rápida, mas como estou estudando o Estoicismo, com certeza retornarei a ele diversas vezes. Obrigado pela dica.

      Excluir
    3. por nada cara, eu que fico feliz por ter ajudado


      abs!

      Excluir
  2. Este texto é estranhamente coerente com o que tenho pensado ultimamente, não em relação ao final da vida (muitas vezes desejada), mas em relação ao futuro do Blogson Crusoe. Curiosamente, também fez com que eu me lembrasse de uma passagem dos Evangelhos onde Jesus diz a alguém rico para largar tudo se quisesse segui-lo. Gostei do texto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. pensar em riqueza somente nos afasta de pensamentos espirituais
      infelizmente, num mundo capitalista é praticamente impossível não pensar em dinheiro

      abs!

      Excluir
  3. Cada linha um aprendizado diferente, obrigado Scant! Obrigado Sêneca!

    ResponderExcluir
  4. "deixe de lados essas coisas atrás das quais os homens correm. Deixa as riquezas, perigo e fardo para aqueles que as possuem. Renuncia aos prazeres do corpo e da alma; eles amolecem e debilitam. renuncia à ambição, coisa vã e pomposa, que não tem limite e nem freio, procurando sempre ultrapassar os que caminham à frente ou ao lado, atormentada pela dupla inveja. Sabes bem como é ruim invejar e ser invejado"

    - Houston, temos um problema.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. complicado de aplicar hoje
      quando eu for aposentado e tiver meu sítio ou casa na praia
      vou aplicar, hehe

      Excluir
  5. O livro "sobre a brevidade da vida" é bem curto mas com sabedoria infinita.

    ResponderExcluir

Memento mori...carpe diem!