[Livro] Pancadaria (2018)/ Reed Tucker - Parte 2

 



 

Por mais que os leitores gostem de romantizar o negócio dos quadrinhos, é exatamente só isso: um negócio. Art Spiegelman, ganhador do prêmio Pulitzer, responsável por Maus – A História de um Sobrevivente, chama os quadrinhos de “a cria bastarda da arte e do comércio”. E dinheiro (medido em parte pelas vendas) ainda é um dos componentes mais importantes em cada uma dessas edições que você colocou em um papelão, ensacou e guardou com amor no armário – se não para os autores envolvidos, então certamente para seus chefes corporativos em seus aquários.
 

A DC nasceu na década de 1930, os principais heróis da Marvel só viriam a surgir mais de 25 anos depois. Se a DC representa os Estados Unidos de Eisenhower, a Marvel é como o país de John F. Kennedy. A editora era mais jovem, mais descolada e provavelmente estava indo para a cama com alguém. A Marvel moderna que chegou em 1961 rapidamente sacudiu a indústria de quadrinhos de uma forma que refletia os dramáticos sofrimentos culturais e políticos que todo o país estava experimentando.
 

O Superman de 1938 era um herói muito mais pé no chão (literalmente) do que a versão que ele evoluiria para ser posteriormente. Seus poderes eram limitados. Ele não podia voar. Em vez disso, tinha o poder de apenas saltar duzentos metros. Ele tinha uma força aumentada, mas estava longe de ser invulnerável. Diziam que um morteiro seria capaz de perfurar sua pele. Os tipos de casos que ele escolhe lidar são igualmente mundanos. Em suas primeiras aparições, ele jogou contra a parede um marido que espancava a mulher, revelou um sistema judicial corrupto e acabou com um linchamento. Superman agia menos como o benfeitor de coração de ouro que se tornaria mais tarde e mais como um ativista hippie que poderia morar no fundo do corredor da sua república universitária.


A indústria dos quadrinhos é cíclica, com gêneros e personagens entrando e saindo de moda como um jeans de cintura alta. Faroestes foram quentes por alguns anos, depois sumiram. Quadrinhos de romance estavam a toda, depois era impossível conseguir um exemplar de Flaming Love. O mesmo tem sido verdade para os super-heróis. Cerca de dez anos depois de Superman ter aparecido pela primeira vez, o público começou a ficar um pouco entediado com a ideia de superpoderes, e o gênero vacilou. Títulos foram cancelados por todo o mercado, inclusive alguns na DC. As aventuras do herói que possuía o anel, o Lanterna Verde, chegou a um fim abrupto em 1949, e em 1951 a DC desceu o machado na Sociedade da Justiça da América, uma superequipe composta pelo rol de personagens da editora da época da Segunda Guerra Mundial, incluindo Gavião Negro, Homem-Hora e Senhor Destino.
 

“Eu ressaltei que o leitor médio de quadrinhos começava a lê-los aos oito anos e os abandonava aos doze”, o falecido Schwartz escreveu em sua autobiografia, Man of Two Worlds. “E uma vez que mais de quatro anos já haviam passado, existia um público totalmente novo que realmente não sabia que o Flash tinha fracassado, e talvez eles pudessem dar uma chance.”

 

A edição de outubro de 1956 chocou a Nacional com seu sucesso. Vendeu 59 por cento da tiragem de 350 mil exemplares. Uma sequência foi agendada rapidamente e o Flash retornou oito meses depois na Showcase nº 8, depois de novo na nº 13 e na nº 14. As edições subsequentes também venderam bem, e o personagem foi promovido para seu próprio título. Flash estreou em 1959, embora na edição nº 105, em vez da nº 1, seguindo a numeração de onde a série do personagem anterior havia parado em 1949.
 

Por grande parte do começo da sua vida, a Marvel era o equivalente a uma banda cover ruim. Era menos “A Casa das Ideias”, como ficaria conhecida posteriormente, e mais “a casa das ideias das outras pessoas”. “Éramos uma empresa de macacos de imitação”, Stan Lee diz da empresa à qual ele se juntou em 1940, como office boy.
 

O chefe da Marvel, uma vez, resumiu sua estratégia de negócios como “se você conseguir um título que se popularize, então acrescente mais alguns e vai ter um bom lucro”.


Durante os anos 1940 e 1950, a Marvel saltou de moda em moda, com pouca originalidade ou vanguardismo em evidência. Quando os quadrinhos policiais começaram a decolar, a Marvel deu aos leitores Lawbreakers Always Lose [Contraventores sempre perdem] e All-True Crime [Só crimes de verdade]. Se a Turma do Pernalonga e animais divertidos eram a coisa do momento, ela empurrava o Wacky Duck. Quando faroestes de segunda começaram a fazer sucesso em Hollywood, a Marvel desenrolou Ted Chicote e o Arizona Kid. A empresa até publicou um título chamado Homer the Happy Ghost, que tinha mais do que uma simples semelhança com Gasparzinho, o Fantasminha Camarada.
 

“Martin achava, naqueles dias, que nossos leitores eram crianças muito, muito pequenas, ou então pessoas mais velhas que não eram muito inteligentes, ou não estariam lendo quadrinhos”, Lee disse em um comentário em áudio em 2006 para o livro Stan Lee’s Amazing Marvel Universe. “Eu não acho que Martin tivesse mesmo grande respeito pela mídia, e, por isso, recebi a ordem de não fazer histórias que fossem muito complexas, não me alongar demais em diálogos ou em caracterizações.”

 

Em 1961, Kirby e Lee se uniram para um novo tipo de história de super-herói, e os resultados seriam muito mais memoráveis. O que eles criaram foi uma equipe de aventureiros que ganham poderes fantásticos depois de voar para o espaço e ser bombardeados por raios cósmicos. O cientista Reed Richards, também conhecido como Sr. Fantástico, ganha a habilidade de esticar seu corpo como elástico. Sua namorada, Sue Storm, tem o poder de se tornar invisível e ganha o codinome de Garota Invisível. O irmão dela, Johnny Storm (o Tocha Humana), descobre-se capaz de explodir em chamas, e o amigo de Reed, Ben Grimm (o Coisa) é transformado em um monstro laranja de pedras. Parece bem ordinário, e o conceito tem alguns ecos de uma HQ que Kirby fez para a DC em 1957, Desafiadores do Desconhecido, sobre um grupo de quatro aventureiros que sobrevivem a um acidente de avião e enfrentam missões.
 

No mundo do Quarteto Fantástico, poderes não necessariamente levavam à alegria; se serviam para alguma coisa, era para ser fonte de mais problemas. Os quatro reagiram às suas novas habilidades como uma cena tirada diretamente de um filme de terror. O Coisa fica deprimido por estar preso em sua forma pedregosa e laranja. Sue fica aterrorizada quando começa a desaparecer. Outro toque inovador: os personagens discutiam um com o outro como crianças em uma longa viagem de carro.



Os heróis da DC eram insossos, mais estáveis e menos propensos a serem consumidos por suas emoções. Eles tinham menos fraquezas humanas e pouca caracterização além de fazerem o bem. Como resultado, eles pareciam mais como recortes de papelão do que pessoas reais.
 

“Há algo fundamental sobre o ambiente em que esses heróis foram imaginados”, diz Joan Hilty, um editor da DC de 1995 a 2010. “Todos os heróis da DC são realeza. Superman é o último filho de um planeta alienígena. Batman é um cara super rico. A Mulher-Maravilha é uma princesa. O Lanterna Verde é um piloto de combate de primeira linha. Aquaman é o rei dos mares. Todos esses heróis surgiram nos anos 1930 e 1940, durante as Guerras Mundiais e a partir de um desejo de encontrar arquétipos que pudessem salvar países inteiros. Os personagens da DC são muito perfeitos e vinculados a um tempo diferente.”


O conceito de anti-heróis que a Marvel cooptou estava borbulhando na literatura há pelo menos uma década, começando em 1951 com O apanhador no campo de centeio e continuando com o clássico beat de 1957: On the road – Pé na Estrada. Foi um conceito que se mostrou particularmente atraente para aqueles tempos de moral turva. Os heróis da Marvel não eram os velhos personagens limpos e de queixo quadrado. Eles nem sempre agiam de forma heroica. Na verdade, a primeira onda de personagens da Marvel, de 1960, parecia ter mais em comum com os monstros que povoavam os gibis da empresa alguns anos antes.

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4 comentários:

  1. Olá, Scant.

    Ótima postagem. Gostei bastante deste resumão.

    Atualmente, não sei mais a razão de se consumir tanto lixo que vem de ambas editoras. Desisti totalmente, sem retorno.

    Sobre Kirby, não é à toa que Alan Moore o representou como uma super consciência em Supremo, a Era Moderna. E, infelizmente, Stan Lee foi colocado por aí como um agente nocivo de todo o processo, apenas porque teve o "azar" de viver bastante e saber ganhar grana!

    Quanto às "aventuras do herói que possuía o anel", hoje precisamos de heróis que esqueçam o anel por aí. E nada contra. Poderiam criar um panteão de heróis com 1001 gêneros. O problema é que não se contentam com isso: é necessário mudar o antigo para corrigir eventuais "erros históricos/contemporâneos".

    Percebo que, hoje, quem manda na indústria e decide seus rumos são pessoas que não leem gibis, apenas isso.

    Abraços!

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    1. parece que no mundo dos quadrinhos quase sempre houve um confronto entre a qualidade do roteiro X a vendagem da edição, sendo que a vendagem sempre prevaleceu como principal critério. hoje em dia só tem piorado

      essa lacração não conhece o limite do razoável, se fossem ganhar dinheiro diriam que o superman é um traveco kriptoniano e que Lois Lane é uma lésbica enrustida

      "pessoas que não leem gibis, apenas isso." sim, eles provavelmente entendem sobre vendas, mas não leem quadrinhos

      acho que para leitores antigos só sobraram as grandes obras do passado.


      abs!

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  2. Gostei bastante do texto (apesar de algumas passagens meio truncadas e quase desnecessárias para quem não leu o livro). Gostei também da observação do Neófito ("quem manda na indústria e decide seus rumos são pessoas que não leem gibis, apenas isso"). Mas eu acredito que as pessoas que não leem gibi talvez sejam necessárias para fazer andar um negócio cujo produto é consumido pelos que leem, ou seja, é preciso que alguém tenha os pés no chão. E esses não são os criadores, os roteiristas. Uma banda antiga de rock ironizou a pureza criativa do álbum Sergeant Pepper's dos Beatles ao lançar um disco com uma capa na mesma linha, mas com o seguinte título: "Só estamos nisso pelo dinheiro".

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    1. concordo com vc

      o problema na prática não é lucrar, mas lacrar (lucrar com um material de natureza inferior)
      como é subjetivo nem sempre fica claro: a qualidade caiu no pasar das décadas, mas provavelmente eles nunca ganharam tanto dinheiro com os personagens

      principalmente depois que o genero virou moda no cinema, mesmo assim estão repetindo roteiros dos anos 70/80

      a criatividade do genero acabou e só temos repetições genéricas (repete-se a essencia, mas muda-se o nome)

      abs!

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Memento mori...carpe diem!