[Livro] Pancadaria (2018)/ Reed Tucker - Parte 3

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“Desde a década de 1940, até a década de 1960, os editores de DC eram feudos independentes, nunca lendo os livros uns dos outros e raramente usando o talento um do outro”, Bob Greenberger, antigo editor da DC, diz. Como resultado, cada gibi de um editor tinha uma cara e uma pegada que poderia diferir em relação ao do outro cara no fim do corredor. Na Marvel era diferente. Porque Lee tinha sido responsável por esta nova linha de super-heróis emergentes desde o início, ele conseguiu construir algo especial. Um universo coerente.

O gigante estava vacilando. As vendas da DC atingiram o pico em 1963 e começaram a cair em 1964. As da Marvel, contudo, continuariam a subir ao longo da década.

“Parecia que os editores da DC estavam tão institucionalizados, tão orgulhosos de suas maravilhosas conquistas, assumindo e mantendo os créditos de inventores dos super-heróis e agindo como se ninguém mais pudesse criar um super-herói tão bem quanto eles”, disse o editor da DC Joe Orlando em 1998. “Eles estavam apanhando da Marvel nas bancas de jornal e não estavam lendo aqueles gibis, nunca analisavam ou tentavam descobrir o que a concorrência estava fazendo. Eles tratavam sua concorrente com total desprezo.”


A diretoria da DC pode ter sido desatenta quanto ao mercado em evolução, mas a editora mostrou alguns sinais de mudança durante a década. Sem dúvida, o ajuste mais duradouro foi a tentativa de criar um universo DC mais coerente, como a Marvel estava ocupada fazendo. Começando em 1963, cerca de dois anos depois do moderno universo Marvel ter nascido, a DC tomou medidas para simplificar todos os seus personagens dentro de um único mundo e acertar a continuidade entre os títulos.

Na mãe de todos os encontros, os dois superesquadrões da empresa – a Liga da Justiça e a Sociedade da Justiça – se cruzaram em Liga da Justiça da América nº 21 (agosto de 1963). A história se chamava “Crise na Terra Um”, e se provou tão popular entre seus compradores – mas provavelmente não para o artista Mike Sekowsky, que deve ter conseguido uma tendinite ao desenhar todos aqueles personagens diferentes – que se tornou uma tradição anual. Também instaurou a palavra “Crise” como a marca da editora para eventos gigantescos envolvendo numerosos heróis.


A DC estava começando a forjar um universo. Diferente da Marvel, cujo universo tinha sido quase todo criado poucos anos antes e era controlado por um editor, a DC tinha que lutar com décadas de linhas narrativas (frequentemente contraditórias) criadas por dezenas de escritores, editores e artistas. O resultado foi uma cronologia confusa, onde nem tudo o que era publicado se encaixava perfeitamente.

Por volta dessa época, a DC também começou a renovar alguns dos seus personagens, sendo mais notável o trabalho feito com o Batman. O herói é uma franquia de vários bilhões de dólares nos dias de hoje, mas no início da década de 1960, Batman estava à beira do cancelamento e correu o risco de desaparecer no esquecimento como outros personagens da era dos pulps, como o Fantasma.

“Havia essa dicotomia estranha”, Shooter diz. “As pessoas na DC ridicularizavam a Marvel Comics, mas também odiavam o fato de que eles estavam vendendo. Não conseguiam entender, pensavam que era como o bambolê, que era apenas uma moda e que iria embora, mesmo enquanto se esforçavam para imitá-los.”



Parte da falta de fraternidade da DC com o leitor vinha da sua filosofia. A empresa não queria apresentar os leitores à sua equipe porque preferiria que aqueles que liam seus gibis não soubessem quem os criava. Para a DC, os personagens eram as estrelas. “Eu não quero que ninguém saiba quem vocês são, eu quero que eles gostem do Superman”, Mort Weisinger disse uma vez para um de seus roteiristas. 

Fazer quadrinhos foi uma atividade anônima por muitos anos. O escritor, o desenhista, o arte-finalista, o colorista, o letrista e outras mãos que os produziam raramente recebiam crédito pelo seu trabalho nas páginas das revistas. O artista poderia ocasionalmente esconder uma assinatura em uma página dupla ou colocá-la em segundo plano, como, por exemplo, em uma placa de carro. (Embora a DC normalmente apagasse isso antes das páginas serem impressas.) Créditos oficiais não eram parte do que era normal no negócio. Até Stan Lee aparecer.


“O que aconteceu com a DC foi que ela ficou sem casos bem-sucedidos para duplicar, de modo que, quando Superman e Batman começaram a falhar, eles não tinham nada para imitar”, o artista Gil Kane disse em 1978. “Em vez disso, tiveram que ir ao único outro estilo que estava ganhando dinheiro e, claro, era o estilo de Stan Lee.”

Apenas fazer quadrinhos melhores não era o bastante. Um problema que a DC enfrentou no final da década de 1960 era que o mercado de quadrinhos – e a mídia impressa em geral – estava encolhendo. Menos estabelecimentos carregavam seus produtos, conforme bancas de jornal e lojas de doces de bairro começaram a desaparecer. O país estava se tornando mais uma cultura de carros, já que o êxodo das cidades mudou a maior parte da população americana das áreas urbanas mais densas para os subúrbios. A TV também começou a consumir mais tempo de lazer.

Uma vez na DC, a animosidade de Kirby em relação ao seu antigo empregador começou a se manifestar em seu trabalho. Na edição nº 6 de Senhor Milagre, lançada no fim de 1971, o herói encara um charlatão chamado Funky Flashman, [12] que era uma duplicata exata de Stan Lee, inclusive na barba, na peruca e nas brincadeiras impertinentes. O personagem foi originalmente concebido como uma sátira de um homem que dirigia um fã-clube da Marvel e roubou seus membros, mas assim que Kirby começou a desenhar a história, Flashman se transformou em Lee.


“O diretor de circulação Ed Shukin e eu estávamos conversando uma vez”, conta Jim Shooter, “e ele disse: ‘A DC tem uma produção melhor do que a nossa. Eles nos superam em vinte vezes na publicidade. Tudo em seus gibis é melhor, exceto que os vencemos no conteúdo.’”

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5 comentários:

  1. Olá, Scant.

    Já tive vontade de ler este livro, assim como diversos ensaios do gênero (inclusive nacionais). Mas sempre fui colocando para depois e depois.

    Parece interessante para compreender os bastidores desses universos que, para mim, hoje se mostram confusos. Isso é curioso, porque durante anos e anos sempre li gibis DC/Marvel sem me incomodar com buracos da vasta cronologia, bem além de meu alcance em conhecê-los e pesquisá-los. Sempre foi apenas prazeroso ler algo e desfrutar plenamente, mesmo sem conhecer como se chegou ali. Mais maduro, isso tudo começou a me incomodar, pois não tinha mais como aceitar ler algo com tantos pontos aparentemente relevantes sendo a mim desconhecidos. Para usufruir as tramas, comecei a precisar de completude e, assim, me tornei avesso a tudo o que fosse "cronologia" em HQs.

    Sobre Joe Orlando: já percebeu que só há uma foto dele, praticamente? E outra que seria de quando estava velho.

    Abraços!

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    1. a análise crítica desse livro é a melhor parte

      "Joe Orlando: já percebeu que só há uma foto dele, praticamente?" - acho que ele faz parte da geração analógica que não divulga muito as fotos do dia a dia. Steve dikto é outro que ninguém tem muitas fotos. essa geração devia ter outros valores ou simplesmente receio do que uma foto poderia trazer de negativo no futuro

      " me tornei avesso a tudo o que fosse "cronologia" em HQs." - acabei me cansando de seguir a cronologia. hoje com os scans fica até fácil seguir uma fase do personagem, mas haja paciência com estórias mal redigidas e sem criatividade

      abs!

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  2. A coisa mais broxante, triste e decepcionante que eu considero é a reunião de personagens de criadores e origens distintas em uma mesma história, só para faturar uma grana alta. Não há nada mais forçado e insosso que a reunião (por exemplo) do mortal Demolidor ou Homem Aranha com o imortal Thor, seja para combater um mal do espaço exterior ou para “discutir a relação”. No caso dos heróis Marvel ainda tinha o Stan Lee por trás, mas misturar Batman com Super Homem é overdose de superheroismo. Eu sou um purista, um tradicionalista quando se trata de personagens de HQ. Surgiu sozinho? Continue sozinho! Um dos charmes das histórias do Homem Aranha são suas crises existenciais. Transferir essa característica para o Hulk, por exemplo só para faturar mais e sacanear com o personagem (ou com o sdois). O que estou tentando dizer é o seguinte: os dirigentes da DC ou Marvel podem tentar todas as artimanhas para faturar mais, só não podem prostituir o personagem original.Creio que foi São Paulo quem disse uma frase perfeita para essa ânsia de faturar: “Tudo posso, mas nem tudo me convém”.

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    1. Quando guri, até gostava de crossorvers. Depois, percebi como eram pífios tais roteiros. Atualmente, no mainstream, não sei mais o que vale a pena.

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    2. Jotabê, pra crianças e adolescentes é divertido; mas os editores só querem lucrar. não tem jeito
      é uma mídia que já deu o que tinha que dar. agora é ladeira abaixo, salvo pequenas edições autorais

      abs!

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Memento mori...carpe diem!