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28 agosto, 2022

[Livro] Sócrates, um homem do nosso tempo (2015)

 

lido em formato eletronico:
durante minha estada no hospital, hehe

Panorama histórico

Em 458 a.C., o sacerdote e escriba hebreu Esdras retornou a Jerusalém, vindo da Babilônia. Ele nasceu quando Confúcio já estava na casa dos sessenta anos e foi o líder intelectual da comunidade judaica exilada na Pérsia.

Quando Esdras deu início à missão, Sócrates estava com doze anos. Ele nasceu em Atenas, na época uma cidade-Estado, em 470 a.C., nove anos após a morte de Confúcio.

As obras de Homero eram quase religiosas, o equivalente grego mais próximo da Torá judaica, pois não apenas recontavam a história deles, como também ensinavam modos e morais a partir de um modelo. O teatro também tinha origem religiosa, pois nascera do culto a Dionísio.

os escritores clássicos, em especial os pós-clássicos, tinham como verdade, a imprecisão habitual — mesmo quando tentavam ser honestos —, a falta de imparcialidade, historicidade ou plausibilidade, ou até mesmo — imagina-se — o senso comum e a negligência com que os livros eram escritos, copiados e preservados.

 


Sobre Platão

Como intelectual, começou a formular as próprias ideias. Como acadêmico, rapidamente as consolidou em um sistema. Como professor, usou Sócrates para espalhá-las e perpetuá-las. Em seus primeiros escritos, Platão apresentou Sócrates como uma pessoa viva, um pensador, um homem real. Porém, conforme as ideias de Platão tomavam forma e exigiam sua propagação, o pobre Sócrates, cuja morte real Platão tanto lamentara, era morto pela segunda vez, tornando-se um mero homem sem expressão, um boneco de ventríloquo a expressar não a própria filosofia, mas a platônica. 

Por ser um intelectual, Platão pensava que espalhar as próprias ideias era mais importante do que preservar Sócrates como um ser humano histórico e integrado. Usá-lo como um boneco articulado era, em sua opinião, a maneira mais fácil de trazer à tona essa difusão filosófica. Assim, o ato de transformar um pensador histórico, vivo, em um boneco falante estúpido — o assassinato e a possessão quase diabólica de um cérebro famoso — tornou-se uma virtude positiva aos olhos de Platão.

Assim, Platão, sem dúvida com as melhores intenções, criou, como Frankenstein, um monstro-filósofo artificial. E particularmente prejudicial ao nosso entendimento de Sócrates o fato de o limite entre o verdadeiro Sócrates e o monstro não estar claro nos escritos do discípulo.


Rosto e nas atitudes do corpo

Segundo os registros, teria dito que “nobreza e dignidade, auto-humilhação e servidão, prudência e entendimento, insolência e vulgaridade estão refletidos no rosto e nas atitudes do corpo, independente se imóvel ou em movimento, e podem ser capturados pelo artista”. Essa observação é ainda mais marcante porque Sócrates não gostava que as próprias emoções transparecessem em seu rosto. Quatro séculos depois, Cícero, que parece tê-lo conhecido bastante, disse que demonstrar medos e apetites não era digno:

 “Mantenha sempre a mesma expressão, como Sócrates.”

 

Evitar o excesso de qualquer coisa

“Aqueles que bebem muito não saboreiam vinhos raros.” Quando lhe perguntaram “O que faz um homem jovem tornar-se virtuoso?”, respondeu: “Evitar o excesso de qualquer coisa."

A respeito dos ataques a ele no teatro, dizia: “Se a crítica é justa, devo tentar melhorar. Se for falsa, não importa.”


Lazer 

“O lazer é a mais valiosa das posses”.

 

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 Interessado pelas pessoas

Ele se mostrava interessado pelas pessoas, e não pelas ideias, e ansiava por descobrir como elas pensam e se podem ser encorajadas a pensar com mais clareza e utilidade. Seus métodos de interrogatório cruzado demonstram cada vez mais o que ele queria: mostrar que em quase todos os tópicos — principalmente os que se referem a justiça, amizade, coragem, virtude em geral, por exemplo — a opinião recebida é quase sempre imperfeita e, de modo geral, totalmente errada. 


Ele faz uma pergunta simples, obtém a resposta habitual e, em seguida, prossegue para mostrar, por meio de outras perguntas tiradas de um vasto repertório de ocupações — da história humana e natural e da literatura —, que a resposta habitual não apenas falha ao encaixar todas as contingências implícitas na questão, como também contradiz a razão analítica no seu senso mais elevado ou até mesmo no seu senso comum mais inferior. Sócrates sempre desconfiou do óbvio e quase sempre consegue mostrar que o óbvio é irreal e que a verdade é muito raramente óbvia. O modo como mostra isso é a substância da discussão e dá a ela empolgação e dinamismo. Chegar a uma conclusão não é o objetivo. O objetivo é ensinar às pessoas com quem ele está conversando como pensar e, principalmente, como pensar por si mesmas.

 

Sócrates estava aberto a qualquer ideia que pudesse saltar as barreiras da prova lógica que formava uma pista de corrida em sua mente. Era conservador no sentido de respeitar os velhos hábitos com relação a deuses e heróis e outros queridos do público, pois não queria demover pessoas comuns das verdades essenciais apenas por um desejo tolo de acabar com os mitos supérfluos. Era radical conservador porque era um ser humano moderado, genial, sensível e generoso.

 “A vida que não se examina não vale a pena ser vivida.”

 

Vida Ideal Socrática

Sócrates gastava muito de seu tempo ponderando sobre a Vida de Deus e como se ater a ela. Acreditava que isso era a base da crença, que somente ao lutar para ter uma boa vida é que os humanos mantinham um grau de contentamento em sua existência e felicidade eterna. Tinha uma visão simples do corpo e da alma e da relação dos dois. 

O corpo era o aspecto ativo, físico, mortal, terreno de uma pessoa. A alma era o aspecto espiritual e imortal. O corpo era ganancioso pelo prazer e satisfações materiais, egoísta e, se não fosse mantido sob controle, tornar-se-ia o assento do mau hábito. A alma era o lado intelectual e moral da pessoa, que tinha uma propensão natural a fazer tudo certo e a melhorar a si mesma. poderia ser, com treinamento adequado, o assento da virtude. A ocupação mais importante de um ser humano era dominar seus instintos corporais e treinar a si mesmo a responder aos ensinamentos da alma.

 

O treinamento tomava a forma de reconhecimento, compreensão e aprendizado sobre as virtudes e aplicação desse conhecimento nas situações cotidianas da vida. Isso, para Sócrates, era a essência da sabedoria. O conhecimento, a virtude e a sabedoria estavam, assim, intimamente relacionados, e, explorando essas conexões, estava o objeto dos “exames” de si mesmo e dos outros. Na vida pessoal, Sócrates fazia de tudo para dominar seus desejos corporais. Ele comia e bebia com frugalidade, embora fosse a jantares pelo bem da amizade.


Recusava-se a perseguir uma carreira lucrativa, como os sofistas, por isso mantinha suas necessidades ao mínimo. Não tinha sapatos. Vestia poucas roupas. Contentava-se com um abrigo simples. Recusara a oferta de uma terra livre para construir uma casa. Tinha pouco ou nenhum dinheiro, embora gostasse de ver o aumento do comércio de livros em Atenas e relatasse ser possível comprar manuscritos novos e baratos ali. Sempre havia amigos para ajudá-lo quando ele de fato precisava, o que era raro. “Posso viver sem tudo isso. Há muitas poucas coisas que realmente quero.” A melhor coisa era poder manter-se em forma e bem.

 

 Sócrates criou esse sistema traçando uma distinção absoluta entre o corpo e a alma. O corpo era a fonte dos desejos, apetites, gratificações e glórias. Representava a natureza animal do homem, seu ser físico, suas ambições e prazeres, legítimos ou prejudiciais. Sem o corpo, os humanos não eram nada e nada poderiam fazer — precisavam que o corpo fosse significativo, criativo e tivesse um propósito. O corpo era um problema e um fardo, contudo, devido ao poder absoluto de seus desejos e à destruição que envolvia satisfazê-los.

 

Mas o corpo estava equilibrado pela alma, que representava o princípio da virtude e da sabedoria, ambos intimamente conectados e, às vezes, indistinguíveis. O corpo era a forma externa; a alma era a personalidade interna do ser humano. Quanto mais os apetites do corpo eram controlados e limitados, mais a alma prosperava e florescia, e a personalidade do humano tornava-se benevolente, útil e à vontade consigo e com o mundo. O corpo perseguia o prazer, na esperança de encontrar a felicidade.

No entanto, a felicidade seria encontrada, nesta vida, apenas com a permissão de que a alma conduzisse o corpo pelo caminho da virtude e da sabedoria. O corpo chegava ao fim com a morte e deteriorava-se, levando os problemas e, também, os apetites. A alma sobrevivia e, se fosse guiada nesta vida pela virtude e pela sabedoria, estaria preparada para unir-se a Deus e às outras almas bem nutridas em uma existência imortal de satisfação.

 

Vingança

Sócrates posicionou-se contra toda teoria e prática da retaliação. No Críton, ele estabelece os cinco princípios de seu comando. 

  • Não devemos nunca cometer injustiça. Portanto, não devemos nunca retribuir uma injustiça. 
  • Não devemos nunca fazer o mal a alguém. Portanto, não devemos nunca retribuir o mal com o mal. 
  • Fazer o mal a um ser humano não é diferente de agir com injustiça.

 

Absolutismo Moral

O que Sócrates argumentou é muito intransigente. E absolutismo moral dos mais rigorosos. Ele está dizendo: se você faz algo que prejudica outra pessoa e, mais ainda, inúmeras pessoas, é tão ruim por si só e tão ruim para você mesmo que nada de bom que isso alcançar poderá compensar o mal. 

Pode chegar a uma vitória ou vencer até mesmo uma guerra; pode trazer a você tudo o que estima — alegria, conforto, segurança e longevidade; pode estimular a aprovação daqueles que você ama, de sua família, de seus amigos; pode ser necessário, na sua opinião, para a autopreservação deles e a sua própria; mas, se for injusto, então você não deve fazê-lo. Ainda que ganhasse o mundo todo, você não deve fazê-lo. Sua própria vida não valeria a pena ser vivida se você somente pudesse preservá-la sendo injusto com os outros.


De fato, Sócrates era o único grego a abraçar e a aceitar por completo o axioma moral de que a retaliação, ou vingança, ou como quisermos chamá-la, é injusta e não deve ser nunca aceita ou defendida. Ele foi o primeiro a articular o axioma e a insistir nele contra mundum.

 

Sócrates tinha uma opinião favorável sobre o ser humano, pois via que era capaz do mais elevado heroísmo moral. A aparência não tinha significado duradouro. A beleza desaparecia com a idade, e as roupas não poderiam melhorar ou depreciar o que a natureza dera.

 

Filosofia Atual

A noção de a filosofia existir somente no isolamento acadêmico, longe do restante do mundo, o teria horrorizado e talvez tivesse produzido uma risada depreciativa. “Isso”, poderíamos ouvi-lo dizer, “é a morte de qualquer filosofia que eu possa reconhecer”. Pois Sócrates viu e praticou a filosofia não como uma atividade acadêmica, mas como uma atividade humana. 

Estava relacionada com seres humanos reais enfrentando escolhas reais e éticas entre certo e errado, bem e mal. Assim, um líder filosófico precisava ser mais do que um pensador, muito mais. Precisava ser um bom homem, para quem a questão da virtude não era uma ideia abstrata, mas um negócio prático da vida diária. 

Precisava ser corajoso ao enfrentar as escolhas e viver com as consequências. 

A filosofia, em seu último recurso, era uma forma de heroísmo, e aquele que a praticava precisava ter coragem de sacrificar tudo, até a própria vida, na busca pela excelência da mente. Foi o que Sócrates fez. E é por isso que o estimamos e saudamos como a filosofia personificada.


)=(

2 comentários:

  1. Título engracado.
    Sócrates, hj, seria aquele tipo de cara q entra armado num local público, mata todo mundo, vai pra casa matar a família e depois se mata; nao com cicuta, mas com um balaço.
    Abç

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    1. socrates não iria aguentar 5 minutos da loucura do mundo atual, hehe

      abs!

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