[Livro] Idade Média: O que não nos ensinaram (2016)/ Régine Pernoud



Introdução 


Nesse livro a principal mensagem é: a beleza e inteligência das obras e costumes medievais são ignorados pela elite acadêmica e essa ignorância contamina a opinião pública. 

Dessa forma, o senso comum acaba desconhece os avanços e conquistas que um período de cerca de 1000 anos proporcionou à raça humana:
Idade Média significa sempre: época de ignorância, de brutalidade, de subdesenvolvimento generalizado, embora seja a única época de subdesenvolvimento durante a qual construíram-se catedrais! Isto porque as pesquisas eruditas feitas nos cento e cinquenta anos, ou mais, em seu conjunto, ainda não atingiram o grande público.


Informações Úteis




Nas letras, como nas artes — para adotar as classificações vigentes — não deixou a Idade Média de se inspirar na Antiguidade, sem, no entanto, considerar suas obras como arquétipos, como modelos. Foi no século XVI que se impôs, neste domínio, a lei da imitação.

Mil anos sem produção poética ou literária digna desse nome, é concebível? Mil anos vividos pelo homem sem que se tenha exprimido nada de belo, de profundo, de grande, sobre ele mesmo? Quem acreditaria nisto? No entanto, fizemos acreditar nisso pessoas muito inteligentes que somos nós mesmos, os franceses, e isso por quase quatrocentos anos. 

Nunca se compreenderá o que foi essa sociedade se lhe desconhecemos o costume, isto é, este conjunto de usos nascidos de fatos concretos e retirando sua autoridade do tempo que os consagra; sua dinâmica é a da tradição: um dado, mas um dado vivo, não estagnado, sempre passível de evolução sem nunca ser submetido a uma vontade particular.

É evidente que sempre houve indivíduos que tentaram pular as barreiras que o grupo ou a sociedade lhes impunham, mas estes envolviam-se em infrações, como atualmente os delinquentes; e se não existe poder público para sancionar os contraventores, estes são rejeitados pelo grupo, o que dá no mesmo, sobretudo em tempos difíceis para quem vive isolado.

A sociedade feudal é uma sociedade de tendências comunitárias, embora regidas por compromissos pessoais, e também essencialmente ligada à terra, rural. Fomos a tal ponto dominados por formas de supremacia urbana que admitimos como axioma que a civilização vem da cidade.

A difusão da cultura é hoje facilitada; pode-se criticar o nível em que é feita, mas os monopólios já deixaram de existir e, contrariamente ao que se poderia temer, o rádio e a televisão provocam um pouco, em todos os lugares, atividades locais: música, dança, teatro se desenvolvem de maneira inesperada até em regiões que chamamos “muito distantes” e passam a ser domínio comum, acessível a todos. Este imenso progresso é quase mundial e, em toda parte, é acompanhado de tentativas, estritamente locais, de reencontrar as fontes da cultura original, do torrão natal, da aldeia, da região, durante tanto tempo desconhecidas, durante tanto tempo desprezadas, mas que, em resumo, esperavam uma oportunidade de ressurgir.

Se nos distrairmos, como o fizemos, passando os olhos em manuais da escola secundária, constata-se que em nenhum deles é assinalado o desaparecimento progressivo da escravidão, a partir do século IV Eles lembram a servidão medieval em termos muito severos, mas, por outro lado, silenciam sobre a volta, bastante paradoxal, no entanto, da escravidão no século XVI.

O servo medieval é uma pessoa, tratada como tal; seu senhor não tem sobre ele o direito de vida e de morte reconhecido pelo direito romano.

Na sociedade que vemos nascer nos séculos VI e VII, a vida se organiza em torno do solo que alimenta e o servo é aquele de quem se exige estabilidade: deve morar na propriedade; é obrigado a cultivá-la, a cavar, revirar, semear, e também colher; porque, embora lhe seja proibido deixar a terra, ele sabe que terá sua parte da colheita. Em outros termos, o senhor da propriedade não pode expulsá-lo, do mesmo modo que o servo não pode “escapar”. É esta ligação íntima do homem e do solo em que ele vive e que constitui a servidão, porque, apesar dela, o servo tem todos os direitos do homem livre: pode casar, fundar família, sua terra passará a seus filhos depois de sua morte, assim como os bens que ele possa adquirir. O senhor, frisemos, tem as mesmas obrigações do servo, embora em escala evidentemente diferente, pois não pode vender, nem alienar, nem abandonar sua terra.

Todas as interdições, todos os castigos, todas as hecatombes parecem justificadas, em nossos tempos, para punir ou prevenir os desvios e erros quanto à linha política adotada pelos poderes em exercício. E na maior parte dos casos, não basta banir quem sucumbe à heresia política, importa convencer, por isto ocorrem as lavagens cerebrais e os internamentos intermináveis que esgotam no homem a capacidade de resistência interior.

Tudo o que se pode pedir a uma obra literária é que seja eco de uma mentalidade, não a descrição de uma realidade, ainda menos sua descrição exata.

A tabula rasa cartesiana é, talvez, a maior mentira filosófica de todos os tempos. Em todo caso, sua aplicação pesa sobremaneira forte sobre nossa época. A ideia de fazer tabula rasa, de “partir do zero” constitui sempre uma tentação sedutora. Mas precisamente é a empresa impossível: a não ser sob um prisma de total arbitrariedade, não se tomando em conta as realidades concretas. Porque tudo o que é vivo, é doável, transmissível. Jamais se parte da estaca zero.

É surpreendente que, toda vez em que foi concretizada a tentação de “partir do zero”, ela o foi solidificada pela morte, por múltiplas mortes e destruições, e isto em todos os domínios. Por haver querido fazer tabula rasa quantas vezes teremos destruído, estupidamente, o que teria podido ser o ponto de apoio, pedra de sustentação?

A história obriga ao respeito, um pouco como a Medicina ou a Educação; em resumo, tudo o que diz respeito ao Homem, sem o que nós teríamos transviado, se nos subtrairmos à exigência interna da disciplina adotada: deixa-se de ser historiador quando se negligencia ou quando se trunca um documento, como deixa-se de ser médico quando se despreza ou subestima o resultado de uma análise ou de um exame; ou como se deixa de ser educador quando se invade a personalidade de quem se está encarregado de ensinar.

Para o historiador, o progresso geral não causa a menor dúvida: mas não menos o fato de que não se trata jamais de progresso contínuo, uniforme, determinado. A Humanidade avança em certos pontos, recua em outros, isto tão facilmente quanto tal entusiasmo que causa um efeito de progresso em um determinado momento fará, em seguida, o efeito de uma regressão.

A peregrinação armada a que chamamos Cruzada era necessária e suficiente, quer se queira ou não — a solução necessária indispensável, no fim do século XI, para socorrer os Lugares Sagrados e o Oriente Próximo, em geral; mas já não era a mesma solução que se impunha, no começo do século XIII, e menos ainda no fim deste mesmo século XIII, e é espantoso constatar que nenhuma atenção foi concedida pelas potências de então a um Ramon Llull, que apontava a solução do presente, enquanto no Ocidente papas, imperadores e reis retomavam sem cessar as soluções do passado.

Negligenciando a formação do sentido histórico, esquecendo que a História é a Memória dos povos, o ensino forma desmemoriados. Reprova-se, às vezes, que nas escolas, nas universidades modernas, se formem irresponsáveis, valorizando o intelecto em detrimento da sensibilidade e do caráter. Mas é grave também se produzir desmemoriados. Tanto quanto o irresponsável, o desmemoriado não é pessoa completa; nem um, nem outro, desfrutam deste pleno exercício de suas faculdades, que é a única coisa que permite ao Homem, sem perigo para ele mesmo e para seus semelhantes, uma verdadeira liberdade.

Conclusão 


Um bom livro  rápido e curto, com um boa mensagem:

Quando se pensa no espantoso balanço, no desperdício insensato de vidas humanas — pior ainda que o das “duas grandes guerras”... — pelos quais se consolidaram as revoluções sucessivas e o castigo dos delitos de opinião em nosso século XX, pode-se perguntar se neste domínio de delito de opinião a noção de progresso não se encontra posta em xeque. Para o historiador do ano 3000, onde estará o fanatismo? Onde a opressão do homem pelo homem? No século XIII ou no século XX?

Grande abraço!

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