O gladiador se decide na arena;
Morremos piores do que nascemos. E a culpa é nossa, não da natureza. Esta tem o direito de se lamentar conosco: “E agora?”, diz, “eu gerei a todos sem desejos, sem medo, sem superstições, sem perfídia, sem outros males: saiam da vida como entraram”.
Ninguém se preocupa em viver bem, mais em viver muito; porém, todos podem agir de modo a viver bem mesmo que não saiba por quanto tempo.
“Por que te admiras de que em nada as viagens te beneficiem quando te levas contigo? Vai atrás de ti a mesma causa que te faz fugir.” (Sócrates) - A quem pode ajudar a novidade das terras? A quem o conhecimento das cidades ou dos lugares? Toda essa agitação é em vão. Perguntas por que essa fuga não te ajuda; tu foges de ti mesmo. É o peso da alma que deves deixar: antes disso, nenhum lugar te agradará.
Mais importante não é o lugar, mas o estado de ânimo, pois o ânimo não se torna escravo de nenhum lugar. Vive com essa convicção: “Não nasci para um único lugar, a minha pátria é este mundo inteiro".
“Ter consciência dos próprios pecados é o início da salvação.”(Epicuro)
(...) os bens são misturados às virtudes e os males aos vícios.
Não rejeitar o trabalho ainda é pouco; deves buscá-lo.
(...) nem a beleza e nem a força podem te fazer feliz, nada resiste ao tempo.
Isso é salutar, não conversar com os que são diferentes de nós e que têm aspirações outras que não as nossas.
Eu escolho para ti o domínio sobre ti mesmo, e que a tua mente, agitada por vagos pensamentos, se afirme e torne convicta, de modo que encontre prazer em si mesma e conheça os bens verdadeiros, aqueles que passam a nos pertencer assim que compreendemos quais são, não sendo necessário aumentar o número de anos.
(...)mais estúpido quem julga um homem pela vestimenta e pela condição social, que não passa de uma cobertura externa.
Nenhuma escravidão é mais vergonhosa do que a voluntária.
Da brevidade da vida
É próprio de quem está em segurança e viaja comodamente procurar minúcias. Porém, quando o inimigo está em nosso encalço, e o soldado recebeu a ordem de se mover, a necessidade se desfaz de todas as coisas inúteis.
“O que é isso?”, perguntava. “Por que tão frequentemente a morte me experimenta? Prossiga, pois eu também a tenho experimentado muito”. “Quando?”, perguntas. Desde antes de nascer. A morte a não existência. O que quer que isso seja, depois de mim, será o mesmo que foi antes de mim. Se nisso existe algum tormento, é necessário que também houvesse antes que viéssemos a luz; porém, naquela ocasião não sentimos nenhum constrangimento.
Peço que me digas: tu julgarias muito estúpido quem pensasse estar em situação pior uma lanterna depois de apagada que antes de ser acesa? Nós também nos acendemos e nos extinguimos; no intervalo, padecemos alguma coisa; nos dois extremos ficamos impassíveis.
Foge da necessidade, porque ela o obriga a fazer aquilo que ela quer.
Das preces nocivas
Vive quem é útil a muitos, vive quem é útil a si mesmo; aqueles que se escondem e se entorpecem assim estão em sua casa como numa sepultura. No mármore podes escrever o seu nome; no entanto; no limiar de suas casas, já anteciparam a sua morte.
O caminho mais rápido para a riqueza é desprezá-la.
Se alguém, tendo sido espoliado de sua única túnica, preferisse chorar a buscar um modo de proteger-se do frio e encontrar algo para cobrir suas costas, não te pareceria muito estúpido?

Muitos passam pelas coisas abertas e buscam aquelas escondidas e obscuras; as coisas seladas estimulam o furto. Se algo se mostra a qualquer um, parece de pouco valor; o arrombador despreza o que está aberto. Esse costume tem o povo e, do mesmo modo, todos os ignorantes: desejam penetrar nas coisas secretas.
Como sabes, a vida nem sempre deve ser retida, pois o bom não é viver, mas sim viver bem. Por isso, o sábio viverá o quanto for necessário e não o quanto puder.
Não considero importante se buscar ou aceitar o seu fim, se virá mais cedo ou mais tarde. Não teme uma grande perda; ninguém pode perder grande coisa naquilo que se escorre gota a gota. Morrer mais cedo ou mais tarde não importa, importa é morrer bem ou mal. Morrer bem é fugir do perigo de viver mal.
As condições humanas estão assentadas em bases sólidas, pois ninguém é infeliz a não ser por sua culpa. Te agrada? Vive. Não te agrada? És livre para regressar de onde vieste.
· Não existem obstáculos para quem deseja deixar a vida. A natureza nos mantém em cárcere aberto. Quando as necessidades permitem, busque-se uma saída fácil; quando se tem em mãos muitas saídas possíveis, deve-se fazer a escolha e considerar o melhor modo de se libertar; quando a ocasião é difícil, deve-se considerar a melhor, a que estiver mais próxima, seja inaudita ou insólita. A quem não falta coragem para a morte não faltará também imaginação.
· Não existe caminho sem fim.

· Tudo isso faz parte do percurso de uma longa vida, como a poeira, a lama e a chuva durante uma viagem.
· Tudo o que vem da riqueza não gera frutos, não proporciona satisfação, se o possuidor não possuí a si próprio e não toma posse do que lhe pertence. É uma tolice, Lucílio, pensar que a riqueza pode nos fazer algum bem ou mal; ela apenas fornece material para os nossos bens e nossos males; os elementos daquilo que juntos a nós poderá se desenvolver em bem ou em mal. Bem mais poderosa que a fortuna é nossa alma. Para o melhor ou o pior, é ela quem conduz os nossos destinos, é ela a responsável pela nossa felicidade ou miséria.
· Desprezível é a alma obcecada pelo futuro, é infeliz antes da infelicidade, deseja ter para sempre as coisas que lhe causam prazer. Não terá descanso, e a necessidade de querer conhecer o futuro lhe fará deixar de lado o presente que poderia ser melhor desfrutado. Temer a perda de algo é o mesmo que já não tê-lo mais consigo.
Não pensa que eu sou a favor da indiferença. Foge dos perigos. Fica atento a tudo que pode ser previsto. o que for que ameaça, não espera que te atinja, passa longe. Nessa situação, a confiança em ti e o firme propósito de tudo suportar serão muito importantes.
· Para minimizar os efeitos dessa perda, de que dispomos? De guardar a lembrança do perdido e, assim, não deixar desvanecer o que de proveito se tenha tido com o que se foi. Se a posse vai embora, fica para sempre o privilégio de ter possuído. Muito ingrato é aquele que, quando não tem mais nada, imagina nada dever por aquilo que tenha recebido. A sorte tira o objeto, mas deixa o fruto que nossas queixas nos fazem perder.
· Enfim, é estúpido lamentar-se da saudade, já que o espaço que separa aquele que se perdeu daquele que o deseja é mínimo. Precisamos ter a certeza na alma de que seguiremos aqueles que perdemos.
· Ninguém deveria fazer promessas para o futuro. Mesmo que já possuímos pode nos escapar e, nessa hora, que pensamos estar bem, um mal pode nos arrasar. O tempo transcorre segundo leis imutáveis, é certo, mas obscuras. E que me importam as certezas da natureza se eu permaneço na incerteza?
· Em verdade, só se concentram no futuro aqueles que estão insatisfeitos com o presente. Ao contrário, se eu estiver satisfeito com o que tenho, quando a mente souber que não existe diferença entre um dia , a alma visualizará, do alto, o conjunto dos dias e dos acontecimentos que estão por vire apenas sorrirá. De que maneira a inconstância e a mudança do acaso podem perturbar aquele que permanece estável na instabilidade?
· Quem vive na esperança do amanhã deixa escapar o presente. Assim, se aproxima de um desejo insaciável acompanhado de um sentimento miserável que torna as coisas mais miseráveis, ou seja, o pavor da morte.
· A natureza despoja tanto quem entra quanto quem sai.
Não te é permitido levar mais do que tens, e até o que trouxeste para a vida ao nascer aqui deverá ser deixado. Perderás a pele, o mais superficial de teus envoltórios; perderás a carne e o sangue que corre pelo teu corpo; perderás ossos e os nervos, aquilo que sustenta as partes informes e flácidas de teu corpo.
Esse dia que temes como ultimo será o de teu nascimento para a eternidade. Deposita o teu fardo.
· Mesmo a paz te causará temor. Uma mente perturbada não confiará nem mesmo nos fatos mais óbvios, pois o sentimento incontrolável do medo, que ela sempre sofre, acaba por torna-la totalmente insegura.
· O campo de toda a atividade deve ser o estudo, e no meio dos sábios, para relembrar a verdades adquiridas e para descobrir novas. Assim, é dever retirar a alma de sua terrível escuridão, libertá-la. Enquanto ignorares o que deve ser evitado e deve ser procurado, o que é imprescindível e o que é supérfluo, o que é justo e o que é injusto, o que é honesto e o que não é honesto, jamais viajarás , será apenas um errante.
· Não há, com certeza, nenhuma diferença, Lucílio, entre não desejar e possuir. Nos dois casos, o resultado é idêntico, isto é, não há sofrimento. Também não te recomendo que negues algo à natureza – ela é contumaz, não pode ser vencida e reclama o que lhe pertence - , mas que saibas que o excedente na natureza, longe de ser indispensável, apenas está a nosso dispor como algo a mais, não imprescindível.
· O que preferes: ter muito ou ter apenas o suficiente? Aquele que tem muito deseja ter mais, o que prova não ser suficiente o que já possui. Aquele que possui o suficiente obteve o que o rico jamais poderá atingir, ou seja, o fim de seus desejos.
· Jamais é pouco o suficiente, jamais é muito o que não satisfaz.
· O dinheiro nunca tornou alguém rico; ao contrário, sempre causou mais cobiça. Queres saber por quê? É porque quem mais tem mais quer ter.
· Avalia todas as coisas pelos desejos naturais, aqueles que podem ser satisfeitos de graça ou por pouco preço; jamais confunde os vícios com desejos.
Sou fã do estoicismo: Sêneca, Marco Aurelio e tudo mais...
ResponderExcluireu tb gosto, mesmo assim é importante perceber que as palavras que eles usam tem significados diferentes do atual.
Excluiraprendi isso nesse livro (https://www.amazon.com.br/S%C3%AAneca-Estoicismo-Paul-Veyne/dp/8568493203)
quando vc passa a interpretar o que eles dizem dentro das visão de mundo que eles tinham, o sentido muda radicalmente
abs!
A sua resposta fez com que eu me lembrasse de um comentário de um antigo colega. Segundo ele, é insensato condenar ou criticar com nossos olhos de século XX ou XXI comportamentos de séculos passados, comportamentos que eram absoutamente normais e aceitáveis em sua época. Outra ideia que me ocorreu é que alguns pensamentos e reflexões, não importa a época em que foram escritos, são pertinentes a qualquer época, bastando para isso que alguém use sua capacidade de pensar e refletir sobre a condição humana. Que acha?
Excluirisso se chama anacronismo (https://brasilescola.uol.com.br/historia/anacronismo.htm)
Excluir"alguns pensamentos e reflexões, não importa a época em que foram escritos, são pertinentes a qualquer época, bastando para isso que alguém use sua capacidade de pensar e refletir sobre a condição humana. Que acha?" - é possível, sempre lembrando que cada caso é um caso e merece especial atenção.
como sua pergunta foi bem abstrata é impossível concordar ou discordar :)
abs!