[Livro] Aprendendo a Viver (65 d.C.)/Sêneca - Parte 1

 


Da futilidade das meias-medidas

Certas coisas só se mostram para quem está presente;

O gladiador se decide na arena;


Não basta estar presente, mas permanecer vigilante e observar a ocasião propícia, deves procurar encontra-la e, se a vires, deves prendê-la e, com todo ímpeto, todas as forças (...).

A ninguém é necessário seguir o curso da felicidade: já é alguma coisa não a contrariarmos, nos opor ou resistir ao sermos levados pela sorte.

Morremos piores do que nascemos. E a culpa é nossa, não da natureza. Esta tem o direito de se lamentar conosco: “E agora?”, diz, “eu gerei a todos sem desejos, sem medo, sem superstições, sem perfídia, sem outros males: saiam da vida como entraram”.

Ninguém se preocupa em viver bem, mais em viver muito; porém, todos podem agir de modo a viver bem mesmo que não saiba por quanto tempo.


Da Viagem


Mesmo que atravesses o vasto mar, mesmo que, como diz nosso Virgílio, "se percam a terra e as cidades”, os vícios te seguem e te perseguem a onde quer que vás.

Por que te admiras de que em nada as viagens te beneficiem quando te levas contigo? Vai atrás de ti a mesma causa que te faz fugir.” (Sócrates) - A quem pode ajudar a novidade das terras? A quem o conhecimento das cidades ou dos lugares? Toda essa agitação é em vão. Perguntas por que essa fuga não te ajuda; tu foges de ti mesmo. É o peso da alma que deves deixar: antes disso, nenhum lugar te agradará.


Mais importante não é o lugar, mas o estado de ânimo, pois o ânimo não se torna escravo de nenhum lugar. Vive com essa convicção: “Não nasci para um único lugar, a minha pátria é este mundo inteiro".


“Ter consciência dos próprios pecados é o início da salvação.”(Epicuro)


Do Canto das sereias


(...) os bens são misturados às virtudes e os males aos vícios.

Não rejeitar o trabalho ainda é pouco; deves buscá-lo.

(...) nem a beleza e nem a força podem te fazer feliz, nada resiste ao tempo.


Do Progresso

Isso é salutar, não conversar com os que são diferentes de nós e que têm aspirações outras que não as nossas.

Eu escolho para ti o domínio sobre ti mesmo, e que a tua mente, agitada por vagos pensamentos, se afirme e torne convicta, de modo que encontre prazer em si mesma e conheça os bens verdadeiros, aqueles que passam a nos pertencer assim que compreendemos quais são, não sendo necessário aumentar o número de anos.


Do senhor e do escravo

(...)mais estúpido quem julga um homem pela vestimenta e pela condição social, que não passa de uma cobertura externa.

Nenhuma escravidão é mais vergonhosa do que a voluntária.


Da brevidade da vida 


É próprio de quem está em segurança e viaja comodamente procurar minúcias. Porém, quando o inimigo está em nosso encalço, e o soldado recebeu a ordem de se mover, a necessidade se desfaz de todas as coisas inúteis.


Da asma e da morte


“O que é isso?”, perguntava. “Por que tão frequentemente a morte me experimenta? Prossiga, pois eu também a tenho experimentado muito”. “Quando?”, perguntas. Desde antes de nascer. A morte a não existência. O que quer que isso seja, depois de mim, será o mesmo que foi antes de mim. Se nisso existe algum tormento, é necessário que também houvesse antes que viéssemos a luz; porém, naquela ocasião não sentimos nenhum constrangimento.


Peço que me digas: tu julgarias muito estúpido quem pensasse estar em situação pior uma lanterna depois de apagada que antes de ser acesa? Nós também nos acendemos e nos extinguimos; no intervalo, padecemos alguma coisa; nos dois extremos ficamos impassíveis.

Foge da necessidade, porque ela o obriga a fazer aquilo que ela quer.


Das preces nocivas 


Vive quem é útil a muitos, vive quem é útil a si mesmo; aqueles que se escondem e se entorpecem assim estão em sua casa como numa sepultura. No mármore podes escrever o seu nome; no entanto; no limiar de suas casas, já anteciparam a sua morte.


Das boas companhias

O caminho mais rápido para a riqueza é desprezá-la.


Do pesar pelos amigos falecidos


Se alguém, tendo sido espoliado de sua única túnica, preferisse chorar a buscar um modo de proteger-se do frio e encontrar algo para cobrir suas costas, não te pareceria muito estúpido?


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4 comentários:

  1. Sou fã do estoicismo: Sêneca, Marco Aurelio e tudo mais...

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    1. eu tb gosto, mesmo assim é importante perceber que as palavras que eles usam tem significados diferentes do atual.
      aprendi isso nesse livro (https://www.amazon.com.br/S%C3%AAneca-Estoicismo-Paul-Veyne/dp/8568493203)

      quando vc passa a interpretar o que eles dizem dentro das visão de mundo que eles tinham, o sentido muda radicalmente

      abs!

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    2. A sua resposta fez com que eu me lembrasse de um comentário de um antigo colega. Segundo ele, é insensato condenar ou criticar com nossos olhos de século XX ou XXI comportamentos de séculos passados, comportamentos que eram absoutamente normais e aceitáveis em sua época. Outra ideia que me ocorreu é que alguns pensamentos e reflexões, não importa a época em que foram escritos, são pertinentes a qualquer época, bastando para isso que alguém use sua capacidade de pensar e refletir sobre a condição humana. Que acha?

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    3. isso se chama anacronismo (https://brasilescola.uol.com.br/historia/anacronismo.htm)

      "alguns pensamentos e reflexões, não importa a época em que foram escritos, são pertinentes a qualquer época, bastando para isso que alguém use sua capacidade de pensar e refletir sobre a condição humana. Que acha?" - é possível, sempre lembrando que cada caso é um caso e merece especial atenção.

      como sua pergunta foi bem abstrata é impossível concordar ou discordar :)

      abs!

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